Reflexões

 
       Não tenho nenhuma inclinação para o mal, mas alguns vícios, e, às vezes, penso em me internar na clínica da alma para submeter-me as drogas da poesia, onde o sonho dê as mãos à transcendência. Sou dependente das poderosas drogas da sensibilidade, lealdade, justiça, verdade - drogas escassas e raras no glamour das luzes. Como o chão me falta e o sonho me acalenta, injeto nas veias, a droga da utopia, que também me faz levitar, abrir as portas da percepção.
     Com as marcas do tempo nos pés, ainda sonho o sonho da vida que se adensa em minha alma - os sonhos do amor não envelhecem. Conheço a vida e seus esconsos recantos - não me amedrontam mais os fantasmas e nem o vôo do alçapão das máscaras humanas; a masmorra se não mata, liberta para novas e necessárias navegações interiores. Os ideiais gregos de beleza e harmonia, perseguem-me. "Quem oprime e humilha pode perfeitamente não ver no sofrimento do humilhado motivo para culpa, remorso, compaixão ou solidariedade. Cruel é todo aquele que não sabe ou não pode identificar-se com a dor e a humilhação dos outros; solidário é o que aprendeu a imaginar-se na posição de quem sofre, e a descrever a crueldade como a pior coisa que podemos fazer ao outro".
       Sou pacato, cordial, afetuoso, amoroso, e no viés de humanidade escondem-se decisões sérias, graves e vazias de medo. Quase não uso palavras de raiva e de dor, mas a "mão que toca o violão, se for preciso, faz a guerra".
       Cultivo em mim a minha aldeia. Sou homem de aldeia, com idéias simples, que se emociona ao nascer do sol e com a brancura da noite luarenta, que cultiva e encontra nas flores o seu maior presente. Por isso mesmo sou capaz de metamorfosear-me na defesa de valores e de minha comezinha vida, não esquecendo jamais, que existem aqueles que sabem respeitar a si e aos outros, como sujeitos morais. Os sociopatas, psicopatas e todos os transgressores da ordem e da paz são benigmamente beneficiados como o meu olhar amoroso, o meu silêncio, no tempo e no espaço. Entretanto, não faço concessões ao cinismo, à deliquência, à violência, ao narcisismo, e à pose dos homens de bem. Abomino a "razão cínica", que no lugar da indignação  "produz um discurso desmoralizante que diz que toda lei é convencionalismo, formalismo, idealismo, conservadorismo". O homem, megalomaníaco, jactante de sua grandeza e realeza, lentamente vai compreendendo sua profunda indigência; indigência de inteligência absoluta, de justiça absoluta, de liberdade absoluta. O homem é conquista. Cada um deve conquistar-se, para se tornar autenticamente homem. A vida é combate.
       "O ser humano, diz Leonardo Boff, precisa de família para se sentir acolhido, para não estar perdido no mundo, para ter um nicho, um lugar para sair e voltar, onde vai alimentar o seu eu ou viver a sua privacidade. Falta uma experiência de transcendência, de amor, de causa generosa, de acreditar num sonho e de lutar por ele".
       Não sou sócio do clube das verdades, mas quem sabe exista até um processo de beatificação em andamento no Vaticano? Concedi o perdão quando o meu corpo sofria; excitado pela verdade, encontrei o seu sorriso sardônico. Eu mesmo padeço do sintoma da doença brasileira: a "incapacidade de reação". Ou do sentimento generalizado de que "qualquer reação se transforma, inevitavelmente, em frustração". Mas sempre tive pavor de relações superficiais, onde o homem come o homem e vende a alma, e Drácula, soberanamente, dissemina o seu vampirismo.
       Meu corpo pede vida, àgua pura da fonte: depende de afeto, justiça, paz, liverdade, amor que liberta, fraternidade e Deus.

 
Roberto Gonçalves
Escritor