E QUAL SERIA A " MELHOR IDADE", MESMO?
Começo de noite e nos sentamos ali, ao lado deles, para uma fast -food.
Nesses ambientes de shoppings, embora haja uma cacofonia intensa ao derredor, pela proximidade das pessoas às vezes nos tornamos íntimos das conversas que se travam aos celulares e também dos diálogos que surgem nas mesas ao nosso derredor.
Tal fato me incomoda um pouquinho.
Não foi difícil perceber que eram uma família representada por três gerações: uma senhora cadeirante, sua aparente filha de fachada bem elegante e sua netinha obesa e voluntariosa duns três aninhos de idade.
Dentre a conversa um tom de voz áspero me chamou a atenção: "Aonde ele se meteu dessa vez? Deve ter se perdido! É sempre assim! Eu não aprendo, não sei porque ainda carrego vocês comigo!"
Eu custei a acreditar no que ouvia.
Tão logo me dei conta da agressão, e bem incomodada, discretamente levei meus olhos àquela mesa aonde pude perceber a expressão de desolamento da senhora cadeirante que não soltou uma palavra em sua defesa.
E a cena continuou: "me dê seu prato, e vê se não faz sujeira, tá bom?" ordenava-lhe a provável e tão dedicada filha.
De repente ele, que não havia se perdido, agilmente reapareceu pelas escadas.
"Aonde se meteu? Não sabe que daqui a pouco temos que comprar remédio para os seus calos? Não me ouviu, eu repito, remédio para os calos. Você só me dá trabalho, meu pai não é assim!"
Obviamente que tentei, inutilmente, lincar uma relação de parentesco entre eles porque o início da minha crônica já acabara de ser escrito por ali...
Terminada a refeição ela lhes ordenou: "esperem aí que vou devolver as bandejas, embora ninguém aqui seja empregado de ninguém".
Assim que saiu dali, a garotinha esperneou, gritou, sacudiu a mesa, derrubou seu resto de coca-cola, lambuzou todo o derredor com sorvete derretido, tudo porque queria seguir com a mãe na devolução das bandejas.
"Fica quieta, olha o guarda, não chora que ele te prende" disse a avó aflita àquele ser inquieto, já meio voluntariosamente perdido e deveras muito agitado.
O segurança, que também já havia percebido a tal dinâmica que ali se travava, a olhou com cara feia.
Assim que a mãe voltou, tirou a criança da mesa lhe dizendo:"odeio criança malcriada mas Deus me presenteou com uma".
De súbito me passou um pensamento indagativo: e que culpa teria Deus na educação daquela pobre criança? Por um triz não fiz a minha pergunta àquela mãe e claro, uma enorme confusão ali estaria armada...
"Solta ela!"- ordenou ao provável avô, solta da mão dela, deixe-a andar sozinha!"
"Ela disse para você soltar a menina, pelo amor de Deus, solta a mão dela! repetiu a senhora já nitidamente bem nervosa.
Então, dali partiram os quatro juntos, silenciosamente, numa aparência de total e feliz normalidade: o senhor a manobrar a cadeira de rodas, a mãe a carregar junto a si um pacote enorme, que excedia em muito a sua altura, embrulhado com logotipo duma conhecida loja de brinquedos infantis e a garotinha a anunciar aos quatro ventos do que se tratava o pacotão "quero carregar meu presente, quero carregar meu presente..."
Saí dali meio angustiada, com a seguinte dedução:
Pelas gerações dos tempos,nossas crônicas de vida, aos poucos, podem se tornar tão complexa e cronicamente doentias que já nos é impossível nos enxergar nelas, a fim de transmutar seus tristes enredos para futuros e milagrosos recomeços.
Porque o tempo nunca espera, tampouco perdoa...ninguém.