A CARTA

A CARTA

O meu pai morreu em setembro, deixando uma carta para mim e meu irmão, tínhamos que abrir essa carta no dia nove de agosto do ano seguinte, aniversario da morte de minha mãe, depois poderíamos decidir o que fazer.O meu irmão Paulo, que é advogado queria abrir a carta na mesma hora, eu concordaria afinal o velho já estava morto, depois de quase sete anos de sofrimento em uma cama de hospital, agora quem se importava.Paulo, era policial civil, estava no terceiro casamento e tinha um problema com álcool e tabaco,eu,Marco Antonio, nome me foi dado pela minha avó, que só via o lado bom do imperador, seus escritos, porém quem tem o mínimo de cultura e leu livros de historia sabe que Marco Antonio,apesar de culto e bom orador, era um imperador cruel, principalmente com os cristão.O Fato, lamentável é que eu recebi o nome dele, parece que essa contradição, entre o bem pensado e o bem feito, o nome Marco Antonio, trousse para mim, sou medico, administro uma clinica com duzentos profissionais, além de ser um dos médicos, reumatologista, tenho uma esposa e um casal de filhos, um deles com síndrome de Down, depois do nascimento de Sergio, meu filho com síndrome de down,passei a dedicação exclusiva, minha mulher era fisioterapeuta da clinica, mas desistiu, o filho dava muito trabalho, assim passamos a maior parte do tempo separados, isso era bom para mim, comecei a beber um pouco mais, nada de alarde nisso, são fico caído como Paulo, nem chego em casa altas horas, recentemente tenho uma outra mulher, não que o sexo seja a desculpa, mas não consigo conversar com Raquel, agente não se entende, tenho que sempre me desculpar, ela está reclamando ou trás algum problema, é sempre problema, já Rose, não tem nada disso, ela me escuta, apoia as minhas ideias, claro que escolhi Rose com critério de cirurgião, ela é uma recepcionista, tem vinte e dois anos, não sabe quase nada, faz sexo sem pensar de forma adestrada, sempre me pede duzentos emprestado no final da tarde, faz o que eu mando,e, é claro, me acha lindo.Raquel, anda distante, parece num beco sem saída, olha para os lados, sempre com algum problema para resolver, nunca está relaxada, parece que perdeu a vontade de viver, a vida é um peso para mim, mas eu tenho álcool, os amigos, a amante, acho que não sobrou nada para Raquel, mesmo com o volume de dinheiro que ganho, com a casa maravilhosa, acho que tem andado tudo frio,lento e desagradável na minha casa, como se a morte de uma família.

O ano passado ela me disse que achava que agente não se amava mais, ela estava enganada, agente se ama, ama demais, porém um não carrega mais o fardo que o amor do outro é, tudo desgastado, repetido, monótono, com filhos correndo pela casa, gritos o tempo todo, nada é como antes, ficamos na cama olhando para a TV, ou no computador, nada mais vazio que isso, eu quero sair, quero ver a rua, com Raquel do meu lado.

A minha filha mais velha é ginasta, quase não para em casa, não consigo, mesmo nos momentos de folga achar um momento com ela, ela sai, nunca volta, sempre treinando, arranjou um namorado, Mauro, ele é negro, não posso dizer que aceitei logo de cara, não posso me considerar racista, mas negro, por quê?Perguntei a Raquel, ela me respondeu, nem reparei na cor, só sei que é estudioso, é um atleta do basquete e gostei da mãe dele.

Meu Pai caiu de cama num dia Paulo sumiu no outro , não aparecia para ajudar era tudo nas costas da Raquel, já que eu não ajudava também, com filho com um síndrome de Dawn, uma filha adolescente, e um pai,meu pai não o dela, com AVC, Raquel estava para ser internada num hospício, eu só ficava na rua, o Maximo possível, as vezes dormir em casa era um suplicio, acordava as seis da manhã e ia correr bem cedinho, tomava café na padaria e banho no trabalho, quando meu pai ainda andava e o seu cognitivo estava abalado por uma demência progressiva, eu as vezes encontrava o velho fazendo as necessidades fisiológicas na sala, aquilo era demais ficava para morrer, chamava Raquel na mesma hora, depois saia e fumava um cigarro, mesmo sabendo que Raquel falaria por três dias a mesma frase:” isso vai te matar”.

O dia chegou, Paulo abriu o envelope.

-Isso é piada – disse Paulo rindo.

-O pai fala aqui Marcos, que você é adotado – ele disse dando gargalhadas.

Como se isso fizesse diferença nesta altura do campeonato.