DIÁRIO DE UMA VIAGEM COM O POETA ANTONIO FRANCISCO – III

Continuação...

Enquanto o pássaro de aço subia, eu refletia sobre a necessidade de o homem usar asas artificiais para se locomover e, com isso, realizar um sonho antigo, que até já foi um dos temas da mitologia grega.

Voltei, enfrentando o trânsito com uma paciência de Jó. Afinal de contas, o meu voo só sairia à noite e eu tinha o dia inteiro para revisar as minhas anotações e, logicamente, dar uma relaxada antes de embarcar para o mesmo destino ao qual o poeta havia ido.

Desta forma, vim admirando, sem pressa, a capital do meu estado e quero aqui registrar uma verdade inconteste: o progresso se faz presente em todas as suas grandezas. Fiquei observando os homens a correrem freneticamente em seus veículos, ultrapassando em lugares proibidos, desobedecendo à velocidade permitida e, ainda por cima, xingando aqueles que, assim como eu, davam a devida atenção à velocidade permitida e se permitiam – mesmo não achando graça nenhuma – admirar a criatividade humana através de seus arranha-céus, viadutos e locais onde o consumismo tem a sua morada. De fato, o homem é, entre os seres vivos, o mais inteligente. “Tão inteligente que acaba por destruir a beleza natural das dunas para erguer, em seu lugar, o concreto armado de suas obras” – pensei isto ao passar por baixo do viaduto que leva – a quem quer ir – para a praia de Ponta Negra.

Dia sossegado, duas ou três repassadas nos slides da palestra, várias horas de um bom sono e a tarde chegou para me dizer que já era hora de seguir caminho. Sem atropelos, metodicamente, eu me aprontei e rumei, mais uma vez, para o aeroporto. Assim, como manda o figurino, com uma hora de antecedência, eu fiz o check-in e fiquei a esperar o horário de embarque.

Como sou um bom observador, passei a olhar os futuros companheiros de viagem ao meu redor. Uma jovem senhora – sentada no mesmo alinhamento de cadeiras que eu – roía as unhas e não parava de trocar suas pernas de posição. Um casal de jovens turistas demonstrava todo o seu nervosismo se abraçando e fechando os olhos. Mais na frente – na primeira fila de cadeiras, eu ouvi um senhor perguntar à “aeromoça” se, por acaso, o avião perdesse, lá por cima, um dos motores, se ele cairia imediatamente. Balancei a cabeça negativamente, enquanto a distinta comissária explicava ao cavalheiro que, mesmo que a aeronave perdesse um de seus motores, mesmo assim, ele continuaria planando lá por cima, sem precisar, abruptamente, cair.

Resolvi que não mais observaria ou ouviria aquelas pessoas. Fechei os olhos e aproveitei o arzinho frio, que inundava o interior, para agradecer ao Criador por me permitir levar (e receber) um pouco de conhecimento aos colegas sergipanos.

Estava, pois, tão absorto em meus pensares que nem percebi o avião taxiar. Taxiou, subiu e, em menos de duas horas e meia, eu estava entrando no carro que me levaria direto para a abertura do II Encontro do Proler.

Na chegada, a presença marcante da professora Sônia Carvalho. Veio, de modo gentil, ao meu encontro e me levou para conhecer a Secretária de Cultura do Estado e as demais autoridades presentes. O meu amigo poeta estava, nesse momento, declamando as suas poesias, no sarau dos poetas cordelistas, em meio a um coquetel.

Noite em que a poesia perfumou o ambiente e passeou, altaneira, entre os seus apreciadores e convidados, dando um banho generoso de cultura popular e trazendo, para os dias atuais, a riqueza dos versos metrificados, transformados em motes, quadrões, décimas, martelos agalopados, sextilhas, septilhas; enfim, aquilo que ouvíamos – quando crianças, nos alpendres das casas de taipa – sair dos lábios dos homens rudes, sem letras, mas de memórias espantosas. Naquele momento, eu, maravilhado, assistia a tudo, como numa reprise, através de Antonio Francisco, Antonio Clévisson, João Firmino Cabral, Gilmar Ferreira, Zé Antônio, Sergival, Gigi, Zezé de Boquim, Nilza, Zé Correia, Izabel Nascimento, Chiquinho do Além Mar, Salete, Ronaldo Dória, Pedro Amaro do Nascimento, Jailson Santos, Anderson Santos e vários outros poetas renomados.

Aproveitei, ainda, para ver as exposições “Lampião, uma viagem pelo Cangaço”, “Taiê” e “Olhares para o Cordel”; este último, com um acervo de cordéis raros e, alguns deles, curiosos, devido à sua feitura.

No dia seguinte, pela manhã, ao abrir a janela do apartamento, diante do cenário que se materializava, eu agradeci a Deus por poder, em mais um dia, presenciar um quadro tão belo e tão natural. Apesar das contínuas agressões, a mãe natureza ainda trazia seus belos traços e sorria, através dos primeiros raios de sol, dando um bom-dia àqueles que ainda cultivavam, dentro de si, o respeito e a admiração pela obra do Criador.

Preparei-me para o meu compromisso. Ao meu lado, enquanto tomava o café, falando pelos cotovelos, dois dos maiores cordelistas da atualidade: Antonio Francisco e Clévisson Viana. Parecia uma disputa entre eles. Até podia ser, mas quem estava ganhando com isso era o grupo de pessoas que se encontravam ali naquele momento. Uma aula de sabedoria, improvisação, releituras e declamações de suas autorias...



Continua...






 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 23/09/2012
Reeditado em 21/04/2019
Código do texto: T3896828
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.