Ensáio sobre um copo manchado com batom
Só quero dizer o quanto invejo batom e copos.
Certo dia me deixaram o seguinte critério: "O copo de cachaça manchado de batom vermelho". O critério soou meio como um desafio, e devo confessar que muito me agrada ser desafiado.
O que batom tem em comum com um copo? Aparentemente nada. Entretanto, esses dois substantivos são ligados por um outro: o lábio, que no caso, são lábios, assim mesmo no plural, para proporcionar o dobro de provocação e desejo.
Primeiramente falo do batom. O que dizia mesmo a música? "A um muro de batom entre nossos lábios". E o que a poetiza diz? "O batom vermelho é a arma da mulher". Preciso falar mais alguma coisa? Preciso, e vou dizer exclusivamente ao batom. Batom, você é o ser mais sortudo que existe. Você é o véu que cobre os lábios, deixando-os numa postura paradoxalmente interessante: é uma camuflagem que atrai ao beijo, e um muro que o bloqueia na mais intensa manifestação da pele. E é justamente por isso que te invejo, porque está sempre mais perto do local onde todos desejam estar: os lábios femininos.
E o que falar do copo? As músicas não o citam. Nem os poetas dão o devido respeito. Talvez porque saibam que o copo é um objeto abençoado por deus. Abençoado na medida em que estão constantemente a tocar os lábios e a beijar as mulheres. Como invejo tal objeto. Como invejo a postura dura e fria de se dirigir aos lábios sem ao menos tremer, nem vibrar, de emoção. Postura essa, que nunca poderá ser manifesta por nós: os apaixonados. Pois, em nossa essência, não perdura a imparcialidade dos copos, e sim, o vibrar da pele.
Aí amigo(a), quando se tem aos olhos um copo manchado de batom. É a maior traição que um ser apaixonado pode sofre na vida. Pois, apresenta um crime duplo: o muro de batom derrubado e o beijo imparcialmente frio do copo. Aos olhos de alguém que a distância vê, as digitais dos lábios impressos no gelado copo; se pensa: bem que poderia ser eu a tocar tais lábios. E é justamente por isso, que invejo o batom e o copo.