Passarinho de Gaiola

Nunca pisei numa faculdade de Zootecnia, Ciências Biológicas ou qualquer outra que estude, pesquise ou trabalhe com o tema vida. Mesmo assim, vou me meter em assunto que não é da minha praia, como é costumeiro aos cronistas; o aprisionamento de pássaros.

Certa vez, em visita à estonteante e bela Serra do Cipó, fui com alguns amigos a um restaurante em construção, que ficava no alto de um morro. Era domingo e o lugar estaria absolutamente deserto se não fosse a incômoda companhia de dezenas de gaiolas prendendo passarinhos de todo tipo.

Em um ataque de fúria, confesso que violei a propriedade e fui soltando pintassilgos, pássaros-pretos, sanhaços e até um curió. Mãos inúteis tentavam me impedir pelas costas, almejando em vão interromper minha insanidade. Só um argumento me inibiu: eles vão morrer. O correto, obviamente, era denunciar o fato às autoridades competentes.

Embora respeite o direito à vida até mesmo de puxa-sacos de repartições públicas municipais e réus do Mensalão, não vejo como mais lucrativa uma sobrevivência dentro de grades, ainda mais em se tratando de espécies com capacidade de voo. Havia um dos pássaros que estava com a pena do rabo em pedaços, possivelmente de tanto roçar na gaiola minúscula.

Está claro que havia algum comércio de aves nativas naquele paraíso ecológico e por mais nojento que seja o ato, não tinha o direito de invadir aquela propriedade e expor a vida dos bichinhos. Posteriormente, formalizei uma ocorrência com a Polícia Florestal mais próxima, como geralmente faço.

Agora meu questionamento é outro. Mesmo que nossa legislação ambiental permita, que lei da natureza nos diz que a vida de um canário belga é menos importante que a de um papagaio, de uma sucuri, de uma onça pintada ou de um estuprador? Quer dizer que se nos levarem pra um país diferente e por lá se fixar o costume de nos prender, tá tudo certo? Esse argumento foi usual por aqui antes da Lei Áurea.

Nossa normatização penal possui vários abrandamentos e substituições de pena, exatamente para que em alguns casos seja evitada a privação de liberdade daqueles que cometem infrações. Por que motivo, em plena “era digital informatizada” de que tanto nos orgulhamos, ainda cultivamos o hábito de prender pássaros em gaiolas sob o argumento hipócrita de que aquele periquito, por ser australiano, pode?

Este texto não é apenas para os grandes traficantes de aves mas principalmente para o pequeno criador, para que uma conscientização, embora lenta, aconteça. Para que passemos a nos envergonhar a cada dia que recebemos uma visita que flagra um passarinho aprisionado em nossa casa. Soltar pássaros exóticos? Não creio que seja prudente. Mas podemos prender nas grades do passado , não as vidas, e sim o velho hábito de engaiolar passarinho, seja nativo, japonês, indiano, croata, etc.

Giu Santos
Enviado por Giu Santos em 23/09/2012
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