LIÇÕES DE UMA ÁRVORE
Chego do trabalho cansadíssimo. Minha esposa com água na boca aponta uma manga rosa brilhando no quintal do vizinho. Queria porque queria. Coisas de mulher grávida. Recusar a qualquer desses desejos seria por em risco a integridade do embrião. Porque quem deseja – como querem se escusar – não são elas, mas o embrião. O pior de tudo é que tinha que ser exatamente aquela manga, só servia se fosse aquela. Enfim, para que o bebê não nascesse com a “boca aberta” (coisa inevitável, a menos que ele nasça desprovido de tal órgão), nem com “cara de manga”, acabei por aceitar a empreitada.
Eu não tinha trato algum com aquele sujeito – o vizinho. No máximo um “Oi!”, um “Bom dia!”, nada além. Cara muito austero, impenetrável. Meio lá meio cá, bato à porta da casa alheia. Alguém aparece (ainda bem que não é o “dito cujo”) e, após alguma cerimônia, abre a porta e me leva até a tal mangueira. Diante daquela monstruosa árvore foi que me dei conta do terrível erro que cometi ao entrar ali. Não pelo fato de ter entrado na casa, mas por achar que ainda estivesse suficientemente em forma para subir naquela árvore. Esqueci que não era mais aquele garoto magrinho que vivia roubando frutas nos quintais alheios. Olhei para cima, manga. Para o chão, manga. Pensei: e se eu levar algumas das que estão no chão? Não, pois ela com certeza notaria a tal manga ainda no mesmíssimo lugar. Não havia pedras nem qualquer outro instrumento que pudesse ser usado para derrubar a “manga do desejo”. Além disso, encontrá-la naquele mar de mangas seria outro desafio.
Enquanto pensava num desfecho menos trágico para aquele impasse, tirei algumas lições daquela árvore. Sim, as árvores possuem caráter didático.
Primeiro: nunca olhe para a copa de uma árvore se você não for capaz de subi-la.
Segundo: se conseguir subir, não colha apenas a fruta mais bonita, a mais reluzente ou a mais apetitosa, pois isso poderia revelar traços marcantes de sua personalidade, como egoísmo e visão unilateral das coisas. Estes ouvem apenas o que querem ouvir, não estão abertos a mudanças, quando se fazem necessárias. Escolhem a melhor parte e deixam o resto para os outros. São bitolados, raquíticos, sectários.
Terceiro: neste grupo estão aqueles que não têm paciência de procurar as frutas prontas para colher. Eles agarram o caule da árvore e sacodem repetidamente o mais que podem, fazendo com que caiam não só as frutas prontas, mas também as imaturas, as podres, os galhos secos e as folhas secas. Estes não querem nada com nada. Não pensam por si mesmos. Vão à escola só pra conversar. Não aprendem e ainda atrapalham quem de fato quer aprender. São os que nos trabalhos escolares amam os “quimos” já bem mastigados da internet, os textos condensados; que não querem ter o trabalho nem de colar o conteúdo do site pesquisado num arquivo à parte, para fazer adaptações e parecer original. Imprimem dali mesmo, com endereço eletrônico no pé da página e tudo, e, ainda por cima, hasteiam sua “bandeira da mediocridade”, achando que estão aprendendo alguma coisa.
Quarto: neste grupo encontram-se aqueles que não se dão ao trabalho sequer de subir na árvore. Satisfazem-se em apanhar as frutas caídas no chão, geralmente machucadas e murchas. São os que não se dão ao trabalho nem de ir à escola, às reuniões e encontros sociais. São os que querem tudo na boca. Esperam que algum parente ou conhecido volte de tais aulas ou encontros e lhes relatem como tudo aconteceu. Se foi ruim, esnobam: - “Eu não te falei que era só besteira? Não perdi nada!” E assim vão se alienando, aprendendo tudo de segunda mão, ao invés de participarem ativamente, de meterem a mão na massa, de transformarem seu “vale árido” da rotina em mananciais de novidades.
Há ainda um quinto e último grupo. São as “cabeças eminentes”, como diria Schopenhauer. São os que decididamente sobem na árvore, e apanham o maior número de frutas prontas que puder encontrar. As que não conseguir, sacode com cuidado os seus galhos, de modo a não machucá-las tanto na queda. Em seguida, desce e separa do chão todas as frutas aproveitáveis, tendo o cuidado de procurar debaixo de cada galho seco, de cada moita, dentro de cada loca, a ver se porventura não tenha alguma por ali se esgueirado. E só então dá por encerrado o seu trabalho e volta para casa. Assim são aqueles que não se satisfazem em apenas aprender o que lhes é ensinado na escola, não se satisfazem com o que lêem num livro ou revista, nem com o que vêem no noticiário. Querem mais. São vorazes. Querem saber o outro lado da história. Não querem ser informados sobre determinado assunto, querem ser peritos. São pensadores autênticos. Não se julgam superiores, pois a consciência de que “nada sabem” os faz buscar a sabedoria como o mais estimável de todos os tesouros.
Enfim, cá estou eu ao pé da árvore, ou melhor, da página. E não sei em qual desses grupos me enquadro. Se eu colher só a fruta mais bonita, vão achar que de tudo eu só quero o que for melhor pra mim. Se subo e balanço o pé inteiro – da árvore, não quero nada com nada. Se não me dou ao trabalho sequer de subir e acabo colhendo as do chão, sou preguiçoso e escoro nos outros. Se eu voltar pra casa sem a manga vão dizer que o bebê vai nascer de boca aberta ou com cara de manga. Mas eu estou de boca aberta agora. E a manga é minha fruta preferida.