Onde estão as pessoas?

Meu Deus, que loucura! Jamais imaginei que um dia pudesse fazer a mim mesmo, uma indagação à qual não tivesse na ponta da língua uma resposta condizente. Confesso que fiquei embasbacado, pois quando me fiz esta pergunta havia ao meu redor uma massa humana que mais parecia uma gelatina multicor. Olhei para os lados, me vi perdido como se fosse um verme ali no chão, não sabia o que fazer. O cidadão que estava logo à minha direita cheirava cocaína, a menina que estava de vermelho, ora sorria, ora cantava e, vez por outra, se entregava aos braços de uma mulher - jovem e bonita - o rapaz logo à frente urinou em uma garrafa de plástico e a jogou na cabeça da garota que vacilava nos ombros do amado.

No palco, o mundo parecia mais bonito. A cantora se apresentava em inglês, acho que a maioria entendia tudo eu, infelizmente, não compreendia quase nada, mas aplaudia automaticamente. Cheguei a pensar que meu intelecto tivesse abraçado o senso comum. A sensação de estar ali foi tão forte que em determinado momento, arranquei de uma das narinas, alguns pelos para certificar-me de que não estava sonhando.

Eu havia deixado o carro longe, muito longe. O estacionamento estava escuro, logo adiante havia uma ribanceira forte, mesmo assim, fui conferir para ver se podia dar uma marcha ré sem que o carro corresse perigo de descer pela ladeira. Graças a Deus estava tudo dentro do esperado.

Parece brincadeira, mas eu estava lá. Tive esta certeza quando olhei para as minhas roupas que estavam imundas. Foi como se eu houvesse rolado na poeira por horas; o tênis quase foi para o lixo, só não foi por pura sorte. Quando olhei no espelho retrovisor fiquei na dúvida se eu era um cidadão normal.

__ Onde estão as pessoas? As minhas pessoas!

Gritei.

Sem que eu me desse conta, um sujeito tocou em meu ombro.

__ Meu amigo, por favor!!!

__ O que foi que aconteceu? Perguntei assustado.

Ele respondeu com os olhos arregalados:

__ Fui assaltado.

__ Como?!

__ Isso mesmo! Fui assaltado.

__ Roubaram seus documentos?

__ Não.

__ Ah, dos males o menor!

__ Pior, levaram meu carro.

__ Como?!

__ Os meliantes colocaram armas na minha cabeça.

__ É mesmo?! E o que foi que você fez?

__ Saí correndo, quando olhei para trás eles deram três tiros.

__ Você está ferido?

__ Não sei

__ Como não sabe?

Sem graça, ele perguntou:

__ Sangue fede?

__ Não.

__ Ah, então estou cagado era só o que me faltava!

Quando cheguei em casa, olhei para o espelho e lhe perguntei:

__ Onde estão as pessoas?

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 22/02/2007
Reeditado em 10/10/2017
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