CASA ANTIGA (cotidiano)
Imagino um homem antigo, um homem velho, um homem perto de morrer, mas ainda com um punhadinho de anos pela frente; principalmente: um homem muito atento aos acontecimentos em geral. Imagino-o em sua casa, uma casa antiga, uma casa que, quando construída, era em subúrbio, e hoje fica no centro da cidade, que a engoliu. Imagino essa casa com um jardim florido, um jardim fechado, um jardim que deu sombra e flores a todos os acontecimentos da vida desse homem: casamento (os jornais que leu), filhos (os livros que leu), aposentadoria (os discos que escutou), viuvez (o silêncio que foi) e o dia de hoje, em que esse homem, entre grades, vê, pelas copas e entre os ramos das trepadeiras, a cidade em que ele não nasceu, embora pise, neste momento, o chão da cidade em que nasceu – o que restou desse chão, o que não foi encoberto pela cidade nova que lhe impuseram.
Através das lentes de seus óculos, podemos ver o olhar estático do homem, um olhar parado, um olhar fixo, que pouco consegue fazer esse homem sonhar, porque tudo está muito perto: as grades, os prédios, os carros, a gente apressada, a morte – a morte, como a cidade, antes calma e feliz, e hoje próxima e sufocante.
Talvez esse homem imagine um último (único) ato de grandeza: pegar o revólver velho, que nunca usou, e sair por aí, matar três pessoas, danificar um carro de luxo e quebrar as vidraças de um arranha-céu... De que adiantaria? De nada! Em primeiro lugar porque lhe faltaria originalidade, e também porque a imprensa está curta, e o presente também está curto, e o futuro é o próximo da fila, cliente apressado que vai pagar sua conta de acontecimentos e dar lugar ao tempo que vem logo atrás, que também é ligeiro e quer livrar-se de existir: dizer o que aconteceu – UM VELHINHO ENLOUQUECEU E SAIU ATIRANDO ETC. – e depois de meia hora mergulhar no nada.
Talvez, sim, talvez esse velhinho possa, em vez de entristecer ou sentir raiva, sorrir largamente, abrir um baú e reler uma crônica que leu semana passada, de um escritor que previu acontecimentos que já haviam acontecido, pois na cidade desse escritor havia dezenas de velhinhos como ele, em casas antigas como as dele, que o escritor, ao voltar do trabalho, observava no meio do engarrafamento, e mencionava, por inveja e não por arte, porque sabia bem o escritor que, cada vez mais, a vida vai se tornando mesquinha, e ele (escritor) só tem pra se alegrar o que o velhinho lamenta (o presente), só tem pra sonhar o que o velhinho viveu (o passado), e tem só que lamentar o que virá, cinza e triste, e sem flores na recordação: o futuro.