Que pena dos meus ouvidos!
“De vez em sempre” ouço músicas estranhas por onde ando. Som estrondoso. Umas letras... “Enfica, enfica.” Meus ouvidos agradeceriam se diminuíssem o volume. As pessoas podiam aprender a ouvir música ruim só para elas. Epa! Retiro o que disse. Aprendi que devemos respeitar as diferenças, e que não existe cultura ruim ou boa, existe cultura. Você tem cultura? Pergunta Roberto Damatta em seu texto. Leia. Seu bom senso agradece.
Quero deixar claro que não estou apontando música ruim ou boa, estou apenas analisando meu gosto musical em comparação com o gosto de outras pessoas. Lembrando das músicas que eu costumava ouvir quando criança, as influências familiares, o que escolho ouvir no presente e o que sou obrigada a ouvir diariamente.
Para começo de conversa, vivo tendo problemas com música, desde criança. O que me faz desconfiar que não pertenço a este planeta. Nos bares, nas esquinas, nas ruas, com os carros em som potente.. músicas que não entendo que tipo de almas elas possam preencher.
Música para mim é igual a poesia, a um bom texto: transporta-me, eleva-me, faz-me amar as pessoas, a vida, leva-me para bem perto dos anjos, ensinam-me a perdoar, a conviver, a crescer, a ser feliz, a ter fé em Deus, nas pessoas...
Uma letra de música que incita o crime, o preconceito contra a mulher faz o que com uma pessoa? Não consigo imaginar o universo mental de quem aprecia, e leva para o seio de sua família músicas assim.
Quando criança, e na adolescência ouvia no rádio músicas bonitas. Meu eu criança gostava. Nas ruas de Irecê, nos meados da década de 70 eu e minhas coleguinhas de infância: Natália, Denga, Carminha, quando íamos para lavanderia do bairro, ou brincava nas ruas calmas não economizávamos as gargantas para cantar: “Eu voltei, voltei para ficar, uti aqui, aqui é meu lugar... “ Mais tarde descobri que o “uti aqui”, na verdade era “Porque aqui... “ E uma outra: “Água sanitária pílua”. De novo, mais tarde, descobri que era “Pare de tomar a pílula...” Eu não gostava dessa última. Preferia: “ Eu era pequeno, nem me lembro, só lembro que à noite ao pé da cama”. Acredito que foi a primeira música que aprendi. Agora procuro entender por que as crianças não entendem as letras de músicas? Hoje raramente ouço as rádios de minha região. As letras nas músicas modernas ferem meus ouvidos. Diferente de rádios na época de minha infância... Será se eu estou equivocada?
Meu universo musical foi muito doido. Na infância ouvia músicas da Igreja católica. Depois ficava na expectativa da música do ano: a música nova de Roberto Carlos.
Em 1977 e 1978 na cidade de Morro do Chapéu ,ouvia no bar em frente a minha casa: “No toca fita do meu carro....”, “Você é a ciganinha, dona do meu coração” ,“ Eu torcia o nariz para Amado Batista, Odair José, Bartor Galeno, Carlos Alexandre etc. As músicas “boas” eu só ouvia no rádio; não tínhamos vitrola.
Em 1979 em Aguada Nova, finalmente uma vitrola... Vieram os discos de vinil. Poucos. O dinheiro, raramente, dava para esse luxo. Mas era bom ouvir Roberto Carlos, incentivo do meu irmão mais velho, José Dilton, Guilherme Arantes, José Augusto, Fernando Mendes incentivo de minha irmã Luzinete, Sérgio Reis , incentivo de meu pai, André, Pe. Zezinho, incentivo de minha mãe Elzita, Raul Seixas, do meu irmão Claudionor, que anos mais tarde, depois de se converter a uma igreja evangélica queimou todos os CDS.
Que alívio! Ninguém gostava de Amado Batista e sua turma.
Em 1984, roubaram nossa vitrola, mas compramos a primeira televisão. Viva !!! Programa de Roberto e Erasmo, esperava o ano inteiro. Mas o radinho de pilha continuava. As rádios (Nacional de Brasília, Rádio Globo) até contavam quantas vezes a música nova do rei tocava.
Em 1989 fui morar com minha irmã Jessi. Ouvia o dia todo a moda baiana daquele momento, “Faraó”, “Tutacamon” e... Amado Batista. Eu pensava, na época, que não havia sofrimento “ouvidal” pior. Anos mais tarde descobri que estava errada. ”. No contexto em que eu vivia o Amado batista foi substituído pela “Nova loira do than e mais tarde, imagine o som altíssimo na minha rua tocando” Uma mão vai no guidon, outra tapando a calcinha”. “Rala a theca”.” Que injustiça eu fiz com o Batista mais amado do Brasil. Ele só retratava a alma romântica das pessoas.
Neste interim, fiquei feliz com um programa de uma rádio de Irecê “Clube RC”. Graças a Deus !Roberto Carlos! Eu não precisava esperar um ano. Aos domingos eu tinha duas horas de músicas de RC . O programa sumiu do ar. Depois veio na mesma rádio “Café da manhã com o Rei” aos sábados. Depois não sei mais onde foi parar o “Café da manhã com o Rei.”.
Um dia fui visitar uma amiga na cidade de Iraquara.
__Luz, tenho um cantor muito bom que uma amiga do Maranhão trouxe para mim.
___Quem? Perguntei.
___Zeca Baleiro. Já ouviu falar?
__Não. Respondi. Mas vindo indicado por uma educadora, não deve ser ruim. Pensei.
Era bálsamos ouvir: ...”Estava triste, tristinho. “ Ouvi e gostei. Anos depois minha sobrinha trouxe de Salvador o DVD Líricas , de Zeca Baleiro . ”Oh, sim eu estou tão cansado, mas não pra dizer que não acredito mais em você. ..“ Ouvi o DVD milhões de vezes, mas quando eu tentava cantar no banheiro, arrumando a casa, percebi que não era fácil quanto cantar ” quando eu estou aqui vivendo este momento lindo.. .” Virei fã... Já que Roberto não grava mais... música nova, inédita.. Amei Zeca Baleiro. Sem desprezar meu Roberto. Música antiga também preenche a alma.
Um dia desses um dos meus sobrinhos foi me visitar e ouviu:” O mundo é pequeno pra caramba, tem alemão, italiano, italiana(...)açúcar é doce; o sal é salgado...”
__Tia, quem não sabe que açúcar é doce e o sal é salgado? Quando chegou no trecho da música...”o mundo é vermelho na China”, ele disse :
__AH....
Acho que ele sacou alguma coisa...
Algum tempo atrás em uma conversa sobre música com meu colga de trabalho, Jefferson:
___Se você gosta de Zeca Baleiro vai gostar de Tom Zé. Declarou.
Mas ainda estou esperando alguém me presentear, pois nas lojas não o encontrei.
Hoje, escondo-me em casa em segurança “ouvidonal”: Pe. Fábio de Melo, Anjos de Resgate, Zeca Baleiro, Zé Geraldo, Belchior estão me salvando dos “Enfincas musicais que povoam as ruas e na trilha que percorro para ir ao trabalho”.
Uma que tenho que dividir com vocês do recanto: em 2007, conheci meu marido. Ele me levou para uma festa que tocou Amado Batista toda a festa... Bem feito para mim. Eu dancei a noite inteira. Depois ,na semana seguinte, em uma cabana familiar num lugarejo chamado Alfredo Redondo, ouvir durante toda a tarde daquele dia: “...a mulher da blusa amarela e a saia de outra cor...” Não sei de quem é essa música nem tampouco a letra, mas o engraçado era que eu estava com uma blusa amarela. Tem um ser por aqui que ouviu essa música 17 vezes em um só dia. A filha dele me contou chorando de rir...
Mas em Tanquinho de Lapão e na cidade de São Gabriel acontece, uma vez por ano, A Cantoria. José Dilton me levou. Que higienização musical, com moda de viola, música de “letra” ... Uma vez por ano! E enquanto isso, diariamente ....
Luz Ribeiro, 21 de setembro de 2012