Pequena Fábula
No tempo em que água encanada era privilégio de poucos, e poucos tinham acesso à escola, um homem comum, de mãos grossas e vida dura, costumava caminhar longas distâncias carregando água do rio para abastecer sua casa. Para isso ele usava dois vasos de barro presos por cordas em cada uma das extremidades de um cabo de madeira, que colocava pesadamente em suas costas e cumpria todos os dias o seu trajeto, cedo, antes do café da manhã.
O caminho até o rio era uma clareira estreita, tão estreita que os vasos passavam riscando a vegetação de ambos os lados. No entanto, um daqueles vasos estava rachado de modo que gotejava por todo o caminho de volta, e pouco se aproveitava da água. Então, valendo-se daquela aparente desvantagem, o vaso íntegro, cheio de arrogância, começou a humilhá-lo:
– “Você é um vaso imprestável. A quantidade de água que o meu senhor coloca em você não é a mesma que chega em sua casa. Mais se perde do que se aproveita. É somente por gratidão que ele ainda não te jogou fora. Ele apenas te suporta. Seu coração é tão bom que pensa que te jogando fora estaria cometendo uma grande injustiça a quem lhe ajudou por tantos anos, quando servia para alguma coisa. Hoje você não dá a ele sequer o orgulho de um copo d’água. Olhe pra você! Está velho, rachado, incapaz de reter a água. Pra que serve um vaso assim senão para ser destruído e pisado pelos homens? Mas agora eu sou diferente. Eu sim posso afirmar que cumpro fielmente o meu desígnio. A água que o meu senhor coloca em mim é a mesma que chega em sua casa. Não desperdiço uma única gota. E dessa água ele usa para matar a sua sede e a de sua esposa e filhos, para fazer a comida e para o banho. Graças a mim a sua família é saudável e feliz. Isso porque sou um vaso jovem, íntegro e competente.”
Mesmo golpeado por essas duras declarações de desprezo, o velho e rachado vaso não se deixou abater. Experiente como era não permitiria que aquilo que os outros dissessem mudasse sua opinião sobre si mesmo. Assim, voltando-se impávido para o vaso íntegro, do fundo de suas fissuras, replicou:
– “Você tem razão ao dizer que eu não consigo reter a água, que o volume de água que o nosso senhor coloca em mim não é a mesma que chega em sua casa, pois a deixo vazar por todo o caminho. Reconheço minhas limitações. Mas você já reparou como está o lado da vegetação em que passo todos os dias deixando cair, gota a gota, a água que não consigo reter? É uma paisagem paradisíaca, cheia de verdor, de flores de várias cores e fragrâncias. Há brisas aromáticas. Há pássaros cantando, borboletas e abelhas que sorvem o néctar e polinizam outras flores, embelezando ainda mais a paisagem. Agora olhe para o seu lado da vegetação... Por não receber água não tem verdor nem flores. Não há borboletas e nem se ouve o canto de pássaros. É uma paisagem seca, triste e desolada. Além disso, dessas mesmas flores que tenho regado todos os dias o nosso senhor as colhe e as leva para sua esposa, que lhe recebe com um beijo. Ela então as coloca num jarro no meio da casa. E o perfume inunda cada recinto, invadindo cada coração. E há amor e felicidade plenas.”
Moral da fábula: Ninguém realmente conhece você. Importa o que você mesmo acredita a seu respeito. Você pode não ser perito em tudo, mas certamente possui dons para alguma coisa. Podemos tirar vantagem até dos nossos maiores defeitos.