O Tempo Passado

Porto Alegre, Outono de 2011,

O passado é a grande verdade da vida. Muitos não sabem disso. E há quem aconselhe a toda a gente: “viva o presente”. Mas o que vem a ser o presente? Sabemos que o passado é um mosaico recordatório girando feito um carrossel em nossa mente. Temos, também, a certeza de que o futuro é algo incerto, inviolável. E o presente, que deveria situar-se, naturalmente, entre passado e futuro, não existe. A existência dele é relativa, ou seja, nós mesmos, por convenção, delimitamos alguma área da relação espaço-tempo e a chamamos de presente. O empo é ininterrupto, ao dizermos que determinado instante é o presente, estamos tentando, em vão, fazer com que ele pare. Ele, entretanto, não para. Mentalize um cronômetro digital e observe o avanço interminável dos numerais em direção ao infinito. Não há como estancar, tampouco retardar tal fluxo. Então, onde está o presente? Qual a sua duração? Se tomássemos a mais infinitésima das unidades de contagem do tempo, ainda assim não teríamos o instante presente. Porque o presente é um espectro, um ente volátil e seu tamanho varia conforme a intensidade do momento, podendo ser um minuto, uma hora, um dia ou, talvez, mais. O instante não pode ser retido no presente e é por isso que existe o passado, um amontoado de instantes cronologicamente armazenados. É o que denominamos: memória, entidade que, apesar da grande capacidade cumulativa, não guarda em si a totalidade dos instantes vividos, até porque nem todos são importantes. Nossa mente realiza um processo de seleção em que são aproveitados os momentos mais marcantes. E é claro, esta classificação possui, decerto, graus e subdivisões, mas não estudei nada nem ouso explanar aqui qualquer teoria séria, sou um mero artista e este palavrório cá está como uma ideia que, de súbito, me sobreveio. Mas o fato é que a memória trabalha de forma autônoma, diferente de um computador, por exemplo, este salva o que ordenamos, aquela salva determinado instante independentemente da nossa vontade. Quantos são os momentos que gostaríamos de esquecer e seguimos, todavia, lembrando pela vida inteira? Assim, pode também ocorrer de não conseguirmos, de jeito algum, recordar algo importante. Pois não cabe a nós, ao menos conscientemente, organizar os retalhos que formam a complexa colcha do passado rememorável. O homem mais sábio, segundo as filosofias, seria, então, aquele que conseguisse captar e dominar a tênue passagem do presente, pois é tão somente ali que a vida acontece e neste ponto vulnerável definem-se passado e futuro. Porém, os tempos idos são a única coisa palpável disso tudo, ainda que se trate de um arquivo morto, imutável, irremediável. Mas quando, a qualquer hora, chegardes ao topo dos vossos dias e a morte, que sempre andou a vossa cata, enfim, vos alcançar, fazendo-se presente, o futuro terá se esgotado e a vida será apenas um enorme fardo de lembranças vãs que cairá sobre vós como uma colcha de retalhos.

Revisado por Jozi Fleck