O Caso do Amigo
Praia de Quintão,
O Homem tinha acabado de mijar e vinha ainda fechando o reco da bermuda quando avistou ali sentado à mesa de um bar à beira mar um grande amigo seu, dos tempos de colégio de interior. Muitas haviam sido as vezes em que O Homem, saudosamente, se perguntava: que será feito do fulano? Brincando brincando já fazia mais de vinte e tantos anos que não se viam. O Homem chegou a enveredar em direção ao amigo numa atitude impulsiva gerada pela saudade dos tempos de juventude, das brincadeiras maldosas, do futebol no recreio, do beijinho das gurias, mas estancou no terceiro passo. Meteu a mão no bolso, pegou um cigarro e se parou fumando e observando o velho camarada: - Quanto tempo heim, pensava consigo. O ex-colega estava ainda jovem, muito bem cuidado, não tinha envelhecido nada, cabelos bem cortados, visual alinhado, roupas de boa marca. - Quem te viu, quem te vê, refletia O Homem, enquanto, baseando-se apenas em aparências, fazia uma análise da vida do antigo camarada e imaginava seus sucessos. De repente o amigo ergueu-se da cadeira e fez gesto ao garçom solicitando que fechasse sua conta. Nesta hora, O Homem intentou um segundo arranco na ânsia de aproximar-se do seu parceiro querido: - Ah, que vontade de dar um abraço naquele cara, remoía-se por dentro. Não queria acreditar que depois de tanto tempo sem ver um sujeito que fez parte da sua vida, deixaria que ele levantasse e fosse embora sem ao menos dar-lhe um aperto de mão ou um tapa nas costas. Aproximaram-se do amigo, de braços abertos, uma jovem linda, sorridente e uma mulher que, apesar de madura, era tão linda e simpática quanto a menina. - Olha só! E o sem vergonha sempre dizia que casamento era pra louco, recordava consigo O Homem, emocionado, escondido ao pé de uma coluna de bambu que servia de decoração ao ambiente. O amigo abriu bem os braços e, numa única armada larga, envolveu a filha e a esposa, presenteando, esta, com um carinhoso beijo na boca. - Que esposa bonita, meu Deus, e a guria é a cara dele. O Homem observou de longe o amigo sair do bar e entrar com a família numa caminhonete de luxo importada. - Que tri, ele também mora em Porto Alegre, concluiu O Homem, ao ver a placa do veículo. Ergueu a mão, instintivamente, e fez no ar um tchau silencioso e triste ao amigo que sumia em meio às ruas de uma praia qualquer do litoral gaúcho. Tocou fora o cigarro e foi-se embora sentido de não poder botar a conversa em dia com o velho companheiro de escola, mas seria impossível evitar indagações acerca da vida e ele odiaria o constrangimento de ter que relatar a multidão dos seus fracassos.