Crônicas de família
Almoços de final de semana seguem o ritual costumeiro: desfrutar da comida da vovó, passar um tempo com a família, ficar por dentro das fofocas, naquele estilo " a cunhada da amiga de fulana disse que..." e de babado em babado as gargalhadas, junto com as caras de espanto, se multiplicam. Ai, famílias! Elas acabam nos lembrando como é passar a vida inteira com alguém sem conhecê-lo de verdade. Pode ser pelo fato de as famílias representarem a sociedade, ensinando aquilo que lhes foi passado, censurando quando for preciso... um verdadeiro microcosmo do mundo, que nós crianças pensamos ser o nosso próprio mundo.
Nessa nova escala de representação os pais acabam sendo professores, policiais, super-heróis, amigos, é uma infinidade de papéis! Os primos são nossos parceiros de gangue, sempre na espreita para tomar escondido a última garrafa de refrigerante da festa, para comer da massa do pão-de-queijo, irritar os cachorros do vizinho e procurar uma bola de futebol velha na rua pra poder jogar. Entre os tios há os liberais que vivem sorrindo e oferecendo cerveja, os músicos, os que ensinam como economizar dinheiro e os que tentam te convencer a torcer pra um determinado time, dando até a camisa de presente! O avô é a autoridade que vive lendo livros e contando as histórias da revolução de 64, mas a gente sabe que nele existe um poeta popular de frases prontas ( "Calado eu tô errado, ainda tô sendo observado!" ), um sonhador que joga na loteria toda semana e torce para o Vila Nova ser campeão da série C.
No fundo, no fundo eu sei que herdei o olhar humilde e distante da vovó, esta que cozinha e só come tranquila depois que todos estão com os pratos feitos, que senta os netos, bisnetos e filhos para que ouçam a nova história, além do fato de saber quase tudo de todos, oferecendo conselhos e ajudas sem que ninguém saiba, carregando consigo o seu peso e o dos outros sem que isso tire o sorriso de seu rosto. Sorriso este que permanece como numa forma de olhar a existência com encantamento apesar das adversidades, enxergando na simplicidade o gosto bom da vida. Por enquanto, eu herdei só o olhar distante e humilde...um pouco da culinária também.
Mergulhada em lembranças acordei e vi um monte de casais. Era um tal de beijo, abraço, sorrisos bobos, que nem parecia mais aquela turma que corria atrás de bola no quintal, muito menos a das competições de video game. Hoje conversando sobre escola, trabalho, política, filosofia, relacionamentos, nem parece que tínhamos medo do monstro do pé-de-manga e dos morcegos que apareciam à noite na área. Somos nós, agora, adultos. Aqueles meninos inocentes em suas malícias se veem engajados pensando na falsa igualdade do socialismo, na potencialização das diferenças e desigualdades do capitalismo, sem saber ainda em quem votar nessa eleições... a democracia anda meio desacreditada, não é verdade?
Ali, porém, observando aquela troca de carinhos, de ideias, eu não me delonguei com os pensamentos nas teorias, na política, muito menos no passado da infância. Com o olhar reflexivo eu me vi poetiza, sem ser pretensiosa, apenas por partilhar do sentimento dos poetas ao falar de amor sem ter encontrado um. Naquela alegria de músicas, boa comida, num misto de discussões, histórias, leitura da sorte nas cartas, uma pergunta engraçada, que não costumava frequentar meus pensamentos, surgiu assim de repente: " Por onde anda o amor da poetiza?". Estranhando a mim mesma sorri sem ter a mínima ideia da resposta para tal pergunta.
Como ninguém percebeu meu riso discreto, saí um pouco dos devaneios para pegar uma bebida. Nesse dia não consegui escrever nenhum poema.
Tati Dalat 18/09/2012