O Prisioneiro
“Daqui de Porto Alegre não se pode ver o mar,
mas, vê-se um monte de coisas que...
Sei lá...”
Entardecia. O barulho das ondas que vinham de longe e que acabavam encontrando a areia parecia ser o mesmo ainda. O sol se fazia calor, embora num tom de até amanhã. Ao sentir a água fria nos pés, foi o menino que se divertiu fugindo do mar – ele ficou ali, parado, como daquela primeira vez em que se sentiu pequeno diante do mundo de água esverdeada que se abria bem na frente de seus olhos. Os olhos também marejaram – deixou perderem-se as lágrimas na areia, pra que também elas se encontrassem de novo com o mar. Os tantos anos vividos em um cárcere pouco iluminado não foram suficientes pra que ele esquecesse daquilo tudo. Ah, o mar! Como era diferente aquele entardecer...* O céu escarlate, feito uma cortina de seda, tal e qual as vestes dos nobres, naquele instante o fazia nobre, um rei coberto do mais vivo rubro que há -o pôr do sol, que enfim, se escondeu de todo. A praia sempre teve um significado especial pra ele, um quê de transcendentalismo, algo que ele contemplava de forma empírica, era fantástico imaginar que o mar era o fim de todo o continente, ali se acabava a cidade e sua crueldade, ali era dado um ponto final as dores dos homens desafortunados como ele, pois, dali o mundo seguia com uma textura diferente, ali a parte de terra dura e má se deixava inundar, indo ter nas profundezas um aspecto completamente diferente, lá servia de abrigo aos peixinhos e de suporte aos mais lindos corais, enquanto o azul passava a imperar na superfície. Via no mar uma redenção, uma libertação psicológica, sentia uma vontade imensa de se lançar ao mar, como faziam os amantes que davam o coração por perdido nos romances que lera na prisão; porque não? Perguntava-se, já que realmente se achava perdido, ele não era naquele momento capaz de localizar em sua mente um motivo sequer que o encorajasse a tocar a vida antes destruída, destroçada, arruinada. Sim! Queria se jogar no mar e se deixar ir caindo lentamente até o fundo, sorriu ao imaginar isso, seu corpo pesado e rústico, o corpo de um homem tosco repousando no fundo do mar em meio aos peixinhos coloridos que se debateriam na intenção de alimentarem-se das fibras pálidas que se soltariam do cadáver submerso. Alguma corrente o levaria dali, e faria pela primeira vez com que sua carcaça viajasse, corresse os oceanos, seus restos mortais seriam avistados por algum navegante: - Homem ao mar! Gritariam os fantásticos marujos, mas que nada, trata-se apenas do despojo da alma de um suicida satisfeito, que não queria mais pisar a terra firme, portanto resolveu morrer no mar. Quem? Quem porventura sentiria sua falta? Ele não faria falta pra ninguém, para as pessoas que o conheceram ele já estava morto há muito tempo, para o estado e para o mundo ele era só um digito um dos dígitos mais insignificantes. Pensava e não conseguia descobrir qual das prisões era mais cruel, se em regime fechado ou se em regime aberto? Sentia que agora na rua era ainda mais prisioneiro. Por isso é que só o mar, só mesmo o mar poderia lavar aquele espírito imundo que era o dele, cheio de chagas, feridas e marcas de torturas tantas e tão antigas que nem mesmo provocavam dor, apenas tristeza, tristeza profunda, daquela tristeza que corta. – Ah! Quem me dera meter-me no fundo do mar salgado! Berrou. O homem retirou seus pés da água fria virou-se e se foi caminhando lentamente até enfiar-se na cidade iluminada, afinal, viver é preciso e a noite seria de matar.
A parte inicial do texto - até o asterísco - foi escrita por Tatiana De Camillis.