O Voluntário

Porto Alegre, Verão de 2011.

- Me dá uma cachaça aí, moço, por favor! Uma coroa loira de um metro e oitenta proferiu essas palavras ao pé do balcão de uma bodega de quinta categoria, por volta das quatro horas de uma tarde em que o solaço parecia que ia derreter a cidade de Porto Alegre, após ter desembarcado de um carrão vermelho, rebolando um traseiro largo e bem cuidado – traseiro daqueles de fazer inveja a muita guria nova que tem por aí – entrou e espalhou seu perfume inebriante pelo ar. Em seguida, todos os presentes foram surpreendidos pelo estalo forte de um taco de sinuca que um indivíduo vestido com trapos encardidos deixou cair no chão por estar de boca aberta apreciando a loira, sendo que seu companheiro de partida, também encardido, nem foi capaz de fazer qualquer menção à continuação do jogo, tão abobalhado estava, admirando a beleza daquela dama de sociedade. Sabe lá Deus o que estaria ela fazendo naquele boteco imundo. A dondoca pegou naquele pequenino e vulgar copo de vidro com umas mãos tão alvas e macias, unhas bem feitas, dedos delicados e derramou o trago pela goela a dentro exibindo a todos uma careta que fez transparecer um bocado de rugas, pois já não era jovem, ainda assim trazia a face muito bem tratada, maquiagem perfeita, olhos esverdeados – era, sem sombra de dúvida, uma mulher bonita. Além de mim e dos dois encardidos, estavam presentes o dono do bar e um velho da barba sebosa que passava a vida a beber naquele estabelecimento, e eu nunca entrei ali que ele não estivesse no mesmo lugar: sentado num banquinho, escorado na parede, junto à porta de entrada. A mulher disse: -Ui! me dá outro, por favor! e desatou a mexer na bolsa de grife trazida a tira colo, pelo ruído podia-se perceber que ela trazia de tudo um pouco ali dentro, depois de algum tempo em que demonstrou nervosismo e ansiedade, sovando e arregaçando aquele couro dourado, tirou dali uma carteira de cigarros e pediu fogo ao dono do bar, que saltou tropicando por cima de uma caixa de garrafas no desespero de servir com presteza a nobre senhora. A madame deu uma tragada profunda no cigarro, soltou uma baforada, empinou o segundo copo de cachaça, franziu a cara novamente e fazendo-se observar por todos, bradou: - Quero pôr um par de chifres no desgraçado do meu marido, quem aqui pode me ajudar? Um dos encardidos grelou o branco dos olhos para o dono do bar que, mortificado, fincou os olhos no outro encardido que, abismado, não tirava os olhos da mulher que, insinuante, pôs os olhos bem dentro dos meus e deixou-se estar me encarando e eu, atônito, perplexo, estupefato... O velho da barba sebosa ergueu muito educadamente a mão, como faz um aluno em tempos de colégio, oferecendo-se como voluntário. A mulher jogou sobre o balcão uma nota de dinheiro, calçou bem a bolsa sobre os ombros, pôs o cigarro no cinzeiro e passando pela porta, disse: - Pois, bem! E foi puxando o velho bêbado pela gola da camisa fedida, jogou-o dentro do carrão vermelho, bateu com a porta e saiu cantando pneus. Juro, caro leitor, juro. Até o dia de hoje não pude me perdoar por ter, naquela tarde, ficado apenas atônito, perplexo, estupefato...

Agradeço a Jozi do blog O Lugar das Cores Escritas,

que me ajudou a revisar este texto. Visite-a!