Alienação e Despersonificação.
Jorge Linhaça
 
Um dos grandes mestres do cinema russo, Einsenstein, tinha como caracteristica de seus principais filmes, como "O Encouraçado Potenkin", a despersonificação dos personagens, os rostos não tinham importância, afinal o que o cineasta pretendia retratar era exatamente o comportamento de manada que atingia, como até hoje atinge, os grupos sociais.
Ao despersonificar os personagens, Einsenstein, fazia com que o espectador visse a sim mesmo como parte provável da trama.
Corta!
 
Dias de hoje:
 
A vida imita a arte. O comportamento de manada é o mais comum que podemos encontrar em todos os estratos da sociedade atual.
A pseudo segurança que parece emanar da ação em grupo é capaz de levar o indivíduo a cometer atos e ter reações que jamais teria individualmente.
O comportamento das torcidas organizadas é apenas um dos retratos mais óbvios dessa realidade grotesca.
 
Infelizmente, essa despersonificação existe também nas salas de aula.
Lembro-me que meus alunos estranhavam quando fazia a chamada pelo nome e não pelo seu número no diário de classe. Custavam a compreender que eu pretendia trata-los como indivíduos e não como mais um componente de uma sala de aula.
Talvez fosse um dos poucos momentos em que se consideravam assim na escola.
O comportamento de manada é tão poderoso que ações como esta causam estranheza.
 
Durante minha vida eclesiástica raramente me dirigi a alguém como irmão ou irmã...sempre os chamava pelo nome, não por não considerá-los meus irmãos, mas para personificar e individualizar o tratamento. Coisas simples que fazem diferença.
 
Infelizmente, salvo raras excessões, nossos alunos são tratados como membros de uma manada, assim como a classe trabalhadora. Nas escolas pouco se quer saber sobre o aluno, o que importa é despejar conteúdos e torcer para que um ou outro se salve do mar de ignorância e descaso em que o nosso ensino público transformou-se.
Não há de culpar-se totalmente o professor . Grande parte destes é fruto desse mesmo sistema que se perpetua ao longo de décadas e vai viciando mesmo aqueles que à principio ( e por príncipio )agem de maneira diferenciada.
O aluno deixa de existir enquanto indivíduo até mesmo por sua responsabilidade, já que, no mais das vezes, está mais preocupado com suas redes sociais e torpedos do que com o que hipotéticamente deveria estar aprendendo.
 
O comportamento de manada entre os jovens é ainda mais expressivo do que entre os adultos pois a necessidade de ser aceito em um grupo, aliada á sua imaturidade e falta de experiências de vida, o leva a reproduzir as ações dos que o cercam.Basta algum deles aparecer com uma novidade para os demais desejarem ter a mesma coisa, seja uma música, um celular, um tenis, uma roupa...
 
Ao ingressarmos na idade adulta já temos em nós esse comportamento tão arraigado que dificilmente nos permitimos emitir opiniões diferentes do que a maioria considera normal e aceitável.
Por exemplo...quando digo que não bebo o primeiro olhar das pessoas é de descrença,
não tomo café...pior ainda.
Quando falo da degradação moral e social presente nos programas de TV e nas músicas de mau gosto que tocam a todo momento taxam-me de falso moralista.
 
Cada um é cada um, mas é preciso olhar em volta e ver o resultado de tanta licenciosidade e pensar por si mesmo, não conformar-se em ser um "Maria vai com as outras" , por mais que isso signifique remar contra a maré ou discordar da opinião da maioria.
 
Afinal o mundo não evolui graças aos iguais, toda evolução ou mudança, só existe por que alguém preferiu ser diferente, pensar diferente, agir diferente, procurar outros caminhos. Não fossem os diferentes e não existiria nem a roda.
Se todos se conformassem com o medo do fogo ainda estariamos comendo alimento cru, tal e qual os animais. E assim por diante.
 
Precisamos passar isso para nossa juventude, tão preocupada em seguir a maré que nem se importa com o destino em que for dar.
Poderíamos dizer que se encontram em um estado semelhante a náufragos em uma balsa, prestes a aportar na ilha de LOST.
 
Salvador, 14 de setembro de 2012.