Comédia de uma Odisseia: o retorno à academia

Parte I

A musculação

Depois de mais de 30 anos de inatividade, completo sedentarismo, com dores do dedinho do pé até à nuca, tomei a decisão que estava adiando há muito tempo: fazer exercícios físicos. Com o aval do cardiologista (exames dentro da normalidade – “cansaço é pura falta de condicionamento físico”) e do ortopedista (coluna com seus “L1, L2, L3 e outros mais” praticamente todos comprometidos), segui para uma academia onde havia um fisioterapeuta amigo onde obteria informações seguras sobre os exercícios mais apropriados para começar na minha idade. Havia saído do trabalho com fortes dores nos ombros e nuca, não conseguia nem andar direito. Fiquei felicíssima ao encontrá-lo, principalmente por revê-lo depois de algum tempo sem nos comunicarmos e por ter sugestões de quais atividades ele iria me sugeria para começar. Assim que terminei meu relato, ele me olhou e disse: - Vem aqui! Entramos em uma sala onde havia uma maca e meu amigo pediu que eu me deitasse de barriga para cima. Sentou-se em uma cadeira atrás, na direção da minha cabeça e começou a fazer uma massagem extremamente relaxante em minha nuca e ombros. Nossa, que coisa maravilhosa depois de um dia cansativo e com fortes dores. Estava me sentindo no paraíso!! Após alguns minutos, porém, pediu-me que virasse de bruços. Achei que continuaria a massagem agora na parte da frente do local dolorido. Triste dedução: pediu-me que inspirasse e soltasse o ar com força. Porém, quando expirava, sentia que minhas costelas estavam se partindo. Ria e chorava ao mesmo tempo a cada manobra dessas na minha coluna. A dor era intensa, porém a vergonha maior ainda, pois estava de vestido “não muito longo” e com um “body” daqueles de perninha que vão até às coxas. Cada vez que ele colocava meu corpo meio de lado e empurrava meu quadril para baixo o vestido subia e provavelmente lá estava o body denunciando como eu conseguia esconder as minhas “pequenas” gordurinhas!! As manobras se seguiram, eu gritava de dor e aproveitava também para gritar de raiva por não ter vindo com outro tipo de roupa. Como não imaginei que ele pudesse tentar resolver meu problema naquela mesma noite?? Saí de lá sem nenhuma dor nos ombros e na nuca, porém com o amor próprio se arrastando. Recebi a indicação de que retornasse no dia seguinte para a avaliação física.

Determinada em retomar os exercícios, na noite seguinte lá estava eu novamente. Saí do trabalho levando numa sacola uma bermuda, um top e uma camiseta e um par de tênis. Cheguei à academia toda animada, entrei no vestiário, troquei de roupa e fui para o segundo andar esperar o profissional para a avaliação. Logo fui atendida por um garoto todo saradão, com idade ainda abaixo da do meu filho mais novo. Entramos numa salinha e ele me perguntou se estava de top. Com minha afirmação, me pediu que tirasse a camiseta. - Como assim, tirar a camiseta? – Para fazer a avaliação, preciso tirar suas medidas. – Não precisa, não. Quero apenas uma série de exercícios para condicionamento físico, melhor qualidade de vida, não pretendo ficar malhadona, sarada. Tem alguma seriezinha própria para isso? – Infelizmente, não, tenho que tirar suas medidas para fazer sua “anamnese”. A essa altura do campeonato, já tendo passado por várias mocinhas saradas pelo caminho, de maneira nenhuma eu queria tirar minha camiseta e expor minhas gordurinhas para aquele garoto também todo sarado. Não é justo isso. Avaliações físicas para pessoas já da minha idade deveriam ser feitas por mulheres também com algumas gordurinhas a mais. Seria mais reconfortante e estimulante para quem está tentando recomeçar. Já me sentia desestimulada a continuar. Porém, havia me determinado que aquele dia seria o recomeço de uma nova vida!!! “Tadinha” de mim, não imaginava o que ainda estava por vir.

O garotão continuava a me pedir que tirasse a camiseta para a tal da “anamnese” e eu já estava é com vontade de jogar uns pesos em cima dele e deixá-lo pelo menos com uma amnésia temporária!! Finalmente fui vencida mais pela minha determinação do que pela insistência dele. Tirei a tal da camiseta e consegui me submeter às medições de meu peitoral (tamanho 46) cintura (81), abdômen (84), coxa (33), usando minha fértil imaginação: fechei os olhos e pensei que tinha 18 aninhos, um corpo bonitinho sem nenhuma gordurinha a mais. Os 84cm do abdômen estavam já no lugar das coxas!!!

Depois daquele suplício, vesti a camiseta e fui convidada a dar início aos exercícios no terceiro andar. Como quem está na chuva é para se molhar e eu já estava encharcada, o que seriam mais uns pinguinhos??? Subimos para a sala de musculação, entramos, e é claro: todos os olhares se voltaram para mim. Só haviam garotões e garotonas, os sarados lá em cima haviam se multiplicado, as saradas exibiam seus modelitos de calças, tops, leggins com meiões e eu lá, em meus 57 anos, de bermudinha, camiseta, empunhando ainda uma bolsa social a tiracolo e uma sacola com roupa e sapatos. Olhei em volta, não havia um lugar para deixar meus objetos pessoais. Para piorar, as esteiras ficavam no fundo do salão. Tive que atravessá-lo todo, querendo me esconder em qualquer buraco, mas segurando a pose, olhando para um, sorrindo para outro, me sentindo um perfeito ET. Não sabia onde deixar as minhas coisas e ninguém havia me informado que no segundo andar havia um guarda-volumes. Poderia ter evitado esse primeiro vexame. Lembrei-me que quando passei por lá vi várias mochilas. Também, por que não tive a inteligência de perguntar? No final, segurando a onda, coloquei no canto da parede e fui para a esteira. O professor começou com a velocidade de 3.0 e disse que eu poderia ir aumentando e diminuindo conforme fosse me sentindo. Olhei para um lado, o rapaz corria a toda velocidade. Olhei para o marcador – 9.1. Olhei para a moça do outro lado, 8.2 e eu lá no meio me sentindo a própria tartaruga. A moçoila de vez em quando ainda olhava de rabo de olho para o meu marcador e aumentava ainda mais a velocidade dela. Para me animar, pensava: - não tenho que ligar para isso, já passei dos 50, tenho direito a não mais sentir vergonha de nada!! Consegui chegar até 4.5 e me senti o máximo aumentando aquele botãozinho.

Depois de 25m o professor voltou com uma ficha na mão e disse que aquela era a minha série. Explicou-me os dois primeiros exercícios pedindo que fizesse duas séries de cada um e depois parasse para descansar. Fiz a primeira e na segunda já havia esquecido como era a execução dos benditos!! Procurei o professor e onde estava o danado? Havia ido para o segundo andar. Fiquei parada no meio daquele povo todo malhando, pegando seus pesos, com suas fichinhas na mão e eu ali, sem saber o que fazer. Resolvi tomar uma água. Não havia bebedouros, mas um aparelho fixado na parede. Vi as torneirinhas e procurei pelos copos. Não encontrei nenhum por perto. Estava com minhas lentes de contato de longe, não iria dar vexame de ir para a academia de óculos, oras bolas!! Olhei na parte lateral e vi uns copinhos atrás de uma portinha transparente. Custei a conseguir abrir a portinha e na hora que fui pegar um copo, percebi que não existia nada ali além de um recipiente branco que estava acoplado a parede. Vi que tinha alguma coisa errada, não conseguia colocar a portinha no lugar e nessa hora o professor retorna. Disse a ele que estava tentando pegar um copinho e ele, com uma risadinha infame em cumplicidade com uma aluna, tentando encaixar novamente a porta que eu praticamente havia arrancado do aparelho, explicou que aquele recipiente continha água que servia para encher as “garrafinhas” que todos levavam. Olhei para os lados e lá estavam todos com as malditas garrafinhas!!! Bolas, onde foram parar os antigos bebedouros???

Voltei com sede para os exercícios. Ao terminar a outra série, o professor havia sumido novamente e lá estava eu com cara de tacho, segurando os pesinhos de 1kg, com vontade de atirá-los na parede. Uma personal que estava atendendo um rapaz, perguntou se eu precisava de ajuda, pois estava me vendo paradinha ali, sem fazer nada. Expliquei que o professor havia saído dali e eu não sabia o que fazer. Para me ajudar, chamou outro profissional, ainda mais novo que o primeiro que pegou minha ficha, me entregou e falou que eu teria que seguir aquelas séries. Como fazer as séries se eu não sabia como realizá-las e também nem conseguia ler o que estava escrito naquela bendita ficha? Estava com lentes para longe, como ficar tirando e colocando os óculos para perto o tempo todo???? Já estava perdendo paciência e determinação, mas o rapaz ficou ao meu lado acompanhando meus exercícios e me senti mais disposta a continuar. Após 10 minutos, ele olhou para mim e disse: – Por hoje é só!

Fiquei muito feliz por poder sair correndo logo dali, peguei minhas coisas, vim toda ansiosa atravessando o corredor e quando ele me deu um até amanhã, intempestivamente voltei e com cara de idiota tasquei dois beijinhos um de cada lado no rosto do menino. Só me dei conta do meu grande finale quando percebi o olhar espantado dele e de todos em volta. Saí segurando a pose, a bolsa e a sacola, mas com uma tremenda vontade de me atirar do alto da escada daquele terceiro andar!!!!

Parte II

O alongamento

No dia seguinte, ainda nãomuito refeita do vexame da noite anterior, resolvi mesmo assim ir para a aula de alongamento. Seria às 14:30h e me preparei com antecedência. Coloquei uma calça de ginástica do tipo bailarina, nada de bermudas e procurei a mochila do meu filho, mas não a encontrei. Quase vibrei de emoção quando achei uma do meu marido. Coloquei meus pertences ali, a tal da garrafinha da moda cheia de água e parti para a academia. Dessa vez não iria “pagar mico”. Cheguei ao local, perguntei onde era a sala, subi e para minha surpresa, quando abri a porta essa rangeu e todas as alunas, além da professora olharam para mim. A aula já havia começado, eu estava atrasada! Dei um sorriso amarelo para a professora, pedi desculpas, peguei rapidamente um colchonete e tentei acompanhar os movimentos que elas faziam. Depois de 30 anos de sedentarismo, abaixar o corpo até segurar os pés, abrir as pernas e colocar o peitoral no chão?? “Tão” de brincadeira comigo!!! Olhei em cima do balcão. Não havia uma mochila lá. Só bolsas ou sacolinhas de material sintético. O que está havendo? Era um complô?? A professora continuava com os exercícios. – Virem de lado, coloquem o cotovelo no chão e elevem a perna direita bem alto. Depois a esquerda -. Elevava a perna o máximo que podia e a calça bailarina descia até meu joelho. Raios de calça queria cortá-la em pedacinhos! Adivinhem: todas estavam de bermudas!!!!!

Terminados os exercícios, que duramente tentei acompanhar, resolvi beber minha água. Afinal, agora tinha minha garrafinha. Sentei, peguei a mochila, coloquei no colo e começou a vazar água pelas minhas pernas. Abri rapidamente o compartimento e vi que estava completamente encharcado. A garrafinha estava furada e a água continuava a descer pela mochila. Fiquei estarrecida, o chão todo molhado e provavelmente teriam a impressão de que, por ter chegado atrasada, não tive nem tempo de ir ao banheiro!!!

- Doutor Gugu, por favor, ainda tem vaga aí para exercícios na pracinha????

Liliane Bodstein Cardoso
Enviado por Liliane Bodstein Cardoso em 17/09/2012
Código do texto: T3885688
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