Monteiro Lobato e o perigo que corre a literatura

Desde quando lia, sem conseguir parar de ler, as páginas de Lobato, isto faz tempo, jamais senti ou imaginei que aquela leitura deliciosa pudesse ser vista como maliciosa. Quanto foi bom haver passado os primeiros anos de minha vida absolutamente livre de determinadas opiniões, juízos de valores. Todo esse filme de cowboy italiano misturado com novela mexicana e dramalhão que circunda a obra de Lobato é simplesmente enervante e desafia qualquer inteligência. Um tanto pálida que sou, até me sinto corar a face quanto a tal debate. Posso dizer que sou pálida? Isto é mesmo um debate ou a imposição de um pessoal sem noção e que pretende minar a arte? Esse tipo de colocação como tem sido feita sobre a obra de Monteiro Lobato se estende a todas as artes. Que faremos então? Haverá ainda uma lei que mande queimar livros, telas? Serão também destruídos filmes e proibida a execução de músicas cujas letras sejam interpretadas como nefastas de alguma forma? Eu temo ser queimada viva, pois sou transgressora por excelência. Ai, proibirão minha poesia sem pontuação? Dá vontade e digo: vão todos à merda. Aí virão os moralistas, os puritanos, os anjos de candura, os perfeitos, e dirão: Que tipo de professora é esta que diz merda? Os tempos estão perdidos e o mundo está mudado. Ah, sei, é bem pelo contrário: o mundo está perdido e os tempos estão mudados. Tá, é, mas digo como eu quiser. Boa é Dilma, pois quer a palavra Presidenta. Quer porque quer, e eu adorei ela querer. Tem uma quadrinha que diz assim: “Mulher quando quer/Nem Deus a desanima/É água de morro abaixo/E fogo de morro acima”. Retomando estas linhas de texto sobre o escritor da infância brasileira quando o Brasil teve infância e inocência, mal posso crer como uma discussão absurda como esta sobre a obra lobatiana possa verdadeiramente existir. Todorov escreveu um livro intitulado A LITERATURA EM PERIGO. Este título passa a me parecer profético, mesmo sabendo que, diretamente sobre o tema e o escritor aqui focalizados, a pesquisa de Todorov não tenha a ver. Até me dá medo de escrever diante de tanta maluquice, de tamanha insensatez e de falta de conhecimento sobre literatura por parte dos que iniciaram esta guerra absurda. Isto deveria ser considerado sacrilégio, heresia, loucura mesmo. A literatura, além de ser o cultivo das letras, desempenha função histórico-social. Que coisa querem fazer essas cabeças não-pensantes com as artes em geral? Será possível que um dia entenderão essas cabeças adoentadas que a obra Abopuru, de Tarsila do Amaral, representaria um constrangimento causado a pessoas que apresentam alguma diferença na conformação física? Pelo amor de Deussssssssssssssssssssss. A arte é uma realidade dentro do que entendemos real. Eu passo mal mesmo com esse clima de gente supostamente certinha e cheia de boas intenções. Ai, como me cansa esta ética canhestra e inventada. Ai, como me cansa este festival de sandices e de demonstração de falta de conhecimento, esta pátria perfeita e imaginária onde tudo seja róseo, não tenha espinhos, todos sorriem e dizem bom dia, onde animais domésticos durmam na cama com os seus donos, onde animais irracionais sejam considerados exatamente iguais aos seres humanos. Se Deus determinou a diferença entre o homem e os animais e, ao criá-lo à Sua imagem e semelhança, ordenou que reinasse sobre todos os outros animais da Terra, quem sou eu, quem é você para alterar a Palavra do Criador? Aliás, por falar disto, será que legislarão também sobre a palavra de Deus? Melhor encerrar por aqui.

***

Agradeço a Hermílio a distinção em sugerir escrever algo sobre o tema em pauta.