DIÁRIO DE UMA VIAGEM COM O POETA ANTONIO FRANCISCO - II
 
Continuação... 

Finalmente, a cidade de Natal. O poeta quando viu aquele trânsito infernal, no qual buzinas, freadas mais bruscas e xingamentos – através de gestos – permeavam a panorâmica de um final de tarde em que o azul do céu se misturava ao encarnado dos raios do Sol, disse-me, meio tristonho: para que tudo isso?

Olhei para o poeta e percebi, ali, na sua indagação, o verdadeiro espírito de comunhão com a natureza. Recordei-me então que, na segunda metade da década de setenta, aquilo tudo era Mata Atlântica. Apenas um caminhozinho, cortado por um asfalto, ainda em fase de acabamento, ligava a cidade ao resto do interior. Agora, o que se via era um enorme volume de caminhões, ônibus, automóveis e motos disputando o espaço duplicado de pistas, mas que não dão vencimento a tantas rodas que trafegavam por entre suas faixas. Nós, infelizmente, fazíamos parte de tudo aquilo.

O poeta olhou por dentro do para-brisa e viu, à sua frente, a selva de pedra se erguendo, cada vez mais, acima do chão de terra, antes feito para morar. “O homem cria espaços onde não tem e, ao invés disso fazê-lo mais social, mais humano, determina, na verdade, o seu grau de importância e, consequentemente, o seu isolamento dos demais”, disse – talvez para si próprio – o poeta.

Fiquei, enquanto a primeira marcha era acionada mais uma vez, pensando como a inteligência do homem, em muitos dos casos, apenas trabalha para que ele passe a ser um indivíduo solitário, isolado, com medo – o que, paradoxalmente, vai de encontro à sua condição de ser coletivo.

Após chegarmos à Casa do Professor – local que nos abrigaria por aquela noite, deixamos nossas bagagens no quarto e fomos, logo em seguida, comer alguma coisa. Na volta, como sempre, o poeta foi cercado pelos professores que estavam, também, “arranchados” e, a pedidos, declamou algumas de suas poesias. Fiquei observando como a admiração e o respeito se fizeram presentes naquele momento, e como os ensinamentos, repassados através de versos, eram meditados, quem sabe, para serem postos em prática, na primeira aula de cada um deles, após a aula de sonho, poesia e beleza daquela noite.

- Poeta, vamos dormir? – sabia que, se deixasse, ele iria até o raiar do dia. Mas, o raiar do dia era a hora, justamente, de acordar, já que o voo dele estava marcado para as 08h00min. Rapidamente, da mesma forma com que ele improvisava seus versos, ele deu boa noite a todos e se retirou.

Cinco e meia da manhã. Quando fui acordá-lo (já que dormi num quarto ao lado do dele), ele já estava de roupa vestida, à minha espera. Como sou metódico, demorei um pouco mais para me aprontar. Enquanto isso pensava sobre a tarde anterior: o caos do trânsito, os arranha-céus, o corre-corre desenfreado dos pedestres, os pedintes em cada semáforo e me lembrei de que a mãe natureza sofre, justamente, por não conseguir acompanhar a velocidade imposta pelos seus habitantes. Ela, a natureza, para se recompor, precisa de muito mais tempo do que o humano dispõe, na sua ânsia de crescer, modernizar-se, evoluir culturalmente. Se o homem pensasse (racionalmente, sem a ganância do ter e do poder), consumiria menos, retiraria a riqueza da terra mais devagar, daria um tempo para que a Terra pudesse respirar e não viveria, irracionalmente, sem tempo para, de fato, viver.

Saímos em direção ao aeroporto. No caminho, de quem vinha para o Centro, o caos estava instalado, como na tarde anterior. O engarrafamento da manhã reproduzia o mesmo cenário antes visto, com a diferença de que o céu estava, naquele momento, carregado de nuvens de chuva e elas deixavam cair, sem piedade, pingos fortes que nublavam a visão dos que se atreviam a enfrentá-la. Uma limpeza, pensei. Seria bom que a chuva limpasse, também, a ambição, a maldade, a inveja e a mesquinharia de todos que trafegam por aquela via. Se isso acontecesse, uma boa parte da raça humana passaria a ver o mundo com outros olhos.

Olhei para Antonio Francisco. Ele não havia dito nada. Talvez fosse o medo de me fazer desconcentrar ao volante, talvez fosse o medo que tomava conta do seu imaginar. “Andar” de avião nem sempre é tão confortável assim.

Depois que fizemos o check-in, eu, só por brincadeira, olhei o folder, no qual estava fotografado o avião em que ele iria embarcar, e disse, num misto de pilhéria e humor negro: poeta, este é do tipo que balança mais do que os outros!

Ele me olhou, arregalou os olhos, e disse: professor, quer me fazer mais medo do que eu já estou?

Apertei a sua mão, desejei bom voo. Nos minutos que se seguiram, vi-o desaparecer por entre outros que iriam embarcar e fui, lá da ala de visitas, vê-lo subir em direção à terra de Lampião e Maria Bonita...

Continua...



O poeta, na abertura do II encontro do
Proler - Biblioteca Pública de Aracaju/SE
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 16/09/2012
Reeditado em 21/04/2019
Código do texto: T3884556
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