CENA DE DOMINGO 
Por Carlos Sena


 
Todo domingo, na minha terra, ir a missa era obrigatório. Mamãe monitorava com rigor se seus queridinhos filhos iam a missa. Lá, na terrinha, missa era boia. Às cinco horas da manhã tinha a missa na igreja Matriz, às seis no convento dos franciscanos, às sete no colégio das Freiras, às nove novamente na igreja matriz. De quebra, às 20h tinha outra na Matriz. Mas, a mais solene e top de linha era a das nove horas da manhã. Essa era a miss solene do domingo. A melhor roupa era para a missa das nove. As famílias estavam lá, na missa das nove. O desfile de modas era mais nessa missa do que mesmo na praça da cidade em noites de festa. O dia de domingo parecia receber a cidade inteira a seus pés. O comércio fechado, poucas pessoas na rua, mas na igreja muita gente cumprindo o ritual. (Eu não precisava saber por que tava indo a missa porque mamãe sempre sabia por que tava nos levando.) 
Quando, por acaso a gente não ia à missa no domingo, ficava ouvindo pelo alto falante da igreja Matriz todo o tirual se processando alto e bom som. Eram quatro cornetas potentes que ficavam no campanário da igreja. Parecia o bordão da Rádio Jornal,  como que Bom Conselho estivesse "falando para o mundo". 
Na mairoria das missas os corais eram (como ainda são) muito desafinados, mas não ao ponto de tirar da missa das nove seu glamour. Nesse quesito, ainda hoje, a igreja católica não prima muito pela qualidade. Falou em coro desentoado, lá está a igreja católica em primeiro lugar.
A Igreja Matriz de Bom Copnselho é muito grande. Tem porte de catedral. É mais pomposa do que a sede da Diocese que fica em Garanhuns. Talvez por essa dimensão, os hinos que se cantavam  da hora da missa nem sempre ficavam sincronizados. Lembro-me de uma beata bem desafinada, mas muito fervorosa que “puxava” um hino e a igreja inteira a seguia. Muitas vezes ela estava cantando uma estrofe e metade da igreja já estava em outra. Noutros momentos, só ela sabia a letra e a congregação apenas uma parte. No estribilho todos cantavam, mas mesmo nele havia desencontro de afinação e de letra. Porém, nem mesmo esse "planta e colhe" das musicas tirava o brilho e a seriedade da liturgia dominical. Todos cantavam independente de afinação ou de letra correta. Nesse viés, há uma passagem cômica que se dava quando uma das beatas conhecidas começava a cantar um hino deveras conhecido da igreja católica. Aquele que diz assim: “ungistes a cabeça com óleo Divinal”. Pois bem, a carola com sua voz de taquara rachada se esguelava dizendo: “um Jipe na cabeça com óleo divinal” – era assim que se entendia e eu penso que assim ela, de fato pronunciava.  O filho dela era nosso "pareceiro" de orgia e mesmo ele "mangava" da mãe. 

A cena domingueira da minha terra (como em todo interior) era todinha em função do domingo. Mas, ainda sobre a missa das nove: depois dela tinha o batismo. Quando o padre terminava esse ritual importante já era depois do meio dia, mas essa parte só competia aos principais interessados como pais, padrinhos e afilhados. Outra: quando o bispo da diocese ia pra lá fazer a cerimônia dos Santos Óleos, aí sim. Um ritual encangava no outro e sabe Deus quando tudo terminava. Mas, quando terminava, todos iam direto para o almoço em família. Certamente era o dia de comer galinha. Ah, como eu gostava do domingo só pra comer galinha. Ah, também era dia de Coca-Cola ou Guaraná. 
Nos meus tempos de Bom Conselho eu ouvia muito uma piadinha que hoje não escuto mais: “pobre só come galinha quando um dos dois está doente”. Mas, lá, aos domingo sempre tinha uma "penosa" de capoeira  comprada com pena e tudo na feira do sábado como principal prato do almoço. Mamãe fazia ela bem guisadinha e com muita "graxa" (só vim chamar molho aqui no Recife). A Coca-Cola e o Guaraná não entraram nessa história como Pilatos entrou no credo. É que no interior do meu tempo a gente, no almoço tomava refresco, ou ponche de frutas. Ponche era como se fosse um suco mais ralo e o mais utilizado era o de laranja, mais pra refresco. Por isto os refrigerantes que não saem da nossa mesa hoje, lá em só entravam no Domingo e olhe lá. Mamãe, quando a gente adoecia e ficava sem quer comer nada, ela logo dizia, “coma que eu mando comprar Guaraná (ou Coca)”. Pior: quentes, pois não tinha geladeira lá em casa e em poucas casas tinha, pois a cidade não tinha luz elétrica. A luz chegava às 5 da tarde e às dez da noite apagava tudo. Geladeira só se fosse a gás, mas só os ricos se davam a esse luxo, lembram? 

A CENA DE DOMINGO era marcada pelo domínio católico, mas também de evangélicos de denominações sérias como Presbiterianos.  Hoje, há mais um domínio CAÓTICO. As igrejas católicas perderam terreno para seitas e outras denominações pentecostais que se utilizaram das lacunas das nossas missas cansativas, longas demais, burocráticas demais e, acima de tudo com pouquíssimos atrativos catequéticos. Independente, o domingo não se muda em si mesmo. Quem mudou foi o ritual católico foi a sociedade permissiva em que os pais não mandam mais nos filhos e os filhos é quem mandam nos pais. As nossas missas de hoje são “mini” e os padres, quase sempre “modernosos” e Pop Star.
A Renovação Carismática - esse movimento católico que estimula os fiéis a dançar, cantar, jogar as mãos pra cima, e pra baixo e pra cima e pros lados é uma tentativa (creio eu) de enfrentamento aos pentecostais que surrupiaram muitos fiéis católicos. Dá-nos a impressão de que estão invocando espíritos em terreiro de candomblé... Mesmo assim, não reverte o quadro, não recuperam as ovelhas perdidas por conta de tanto grito e de pouca escuta... Nesse caso, não foi por falta de grito que se perdeu parte da boiada.

A atual cena de Domingo não tem as missas no formato de outrora. Mas o sentido dela tem. Tem almoço em família, tem rede pra descansar, tem preguiça pra se preguiçar, tem jornal pra se alentar, tem namoro pra se namorar, tem cansaço pra se descansar. Tem cachimbo, tem touro, porque domingo pede cachimbo... Ah, só pra não esquecer: Bom Conselho na época já tinha um padre “modernoso” que rezava sua missa das 20h na igreja matriz bem na base do vapt-vupt, pois ele não perdia a sessão do cine Brasília, aos domingos, nem que desse cachorro em zero. O nome dele? Não digo, não digo. Mas dou a dica: ele está vivíssimo e bem velhinho e quem mora lá sabe. É gente boníssima.