Triunfos do Capitalismo
Lembro-me de que uma vez, e não tem muito tempo, estava em San Diego, na fronteira com o México. Mas, com medo de entrar no país, tomei a última saída antes da fronteira e voltei. Tudo em função da pouca informação que tinha sobre o México.
Leio agora a publicação de um acadêmico, cidadão americano, crítico do “american way of life”, dizendo que vive bem no México e que encontrou lá a decência que os americanos não têm.
Começo então a estabelecer um paralelo com a Colômbia. Muitos em nosso país referem-se às FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) como um organismo deplorável, um bando de insurgentes, capazes de ações terroristas contra civis e o governo, tendo ligações muito próximas com o narcotráfico e dispostas a fazer da Colômbia um estado socialista. Quando querem atacar o atual governo brasileiro, apressam-se em dizer que o Brasil apoiou as FARC aqui e ali.
Entendo que não pode haver jamais justificativas para ações que vitimem inocentes. Pessoas de bem não podem aceitar com passividade o que ocorreu a 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque. No entanto, é lícito procurarmos entender a razão desses empreendimentos. Por que uma pessoa é capaz de oferecer a própria vida para a consecução de tais ações?
Morris Berman, o acadêmico estadunidense a que acima me refiro, autor do livro “Por Que os Estados Unidos Fracassaram”, credita o 11 de setembro à política externa americana, encarando o terrível atentado como “obra de pessoas que detestavam o que os Estados Unidos estavam fazendo com os países delas”. Ou com as suas mais caras referências religiosas, como agora acontece com o desrespeito ao Profeta Maomé.
Do mesmo modo, é preciso que entendamos o que pode ter suscitado a constituição do que conhecemos por FARC.
A democracia exportada, recomendada e, porque não dizer, imposta a muitos países da América Latina pelos EUA resultou em alguns “triunfos do capitalismo”. Segundo o que se pode ler em World Orders Old and New, de Noam Chomsky, também cidadão americano, no caso da Colômbia tem-se entre tais triunfos: a ocupação de 70% de suas terras agriculturáveis por cerca de 3% das elites, enquanto que 57% das famílias mais pobres ocupam menos que 3% das terras no campo; 40% dos colombianos vivendo em pobreza absoluta, sem possibilidade de acesso a necessidades básicas de subsistência; 18% dos colombianos vivendo em absoluta miséria, com 4,5 milhões de crianças abaixo dos quatorze anos sem terem o que comer; e outros dados que poderiam ainda ser enumerados.
Pode ser que esses índices não sejam os atuais. Pode ser que tenha havido melhoras. Contudo, na época em que foram detectados, não seria razoável que houvesse alguma reação? Alguma atitude no sentido de reduzir esse desequilíbrio? Será que as FARC não seriam uma resposta a essas simples perguntas, culminando com a constituição de um verdadeiro exército destinado a provocar qualquer alteração no quadro altamente desfavorável aos mais humildes?
Se não tivermos o direito de fazer esses questionamentos, então só nos restará admitirmos como normal ou lícita a situação de países como a Colômbia, assim como a da maioria dos que integram as Américas Central e do Sul, onde as elites detém os maiores percentuais de terras, riqueza e poder, sendo legado às classes menos favorecidas as maiores dificuldades para a obtenção de melhores condições de vida.
Rio, 16/09/2012