A volta da santa e dos santos
Simplesmente divina, Santa Luzia voltou da restauração, trazendo muita luz pra nossa casa no interior das Minas Gerais. Desta vez não foram santos miúdos. Só ela, enorme. Com todo cuidado para não bater a cabeça, foi levada para o seu sagrado altar, no quarto da frente, . Esperava-a a mesinha com uma toalha branca, tendo ao lado uma planta de folhas largas, que dava uma flor branca - mas que nunca deu flor. Fita pra beijar e pires para por esmola também não tinha - detalhes a serem considerados só nos trezes de dezembro: dia de reza, visitação e festa lá em casa. Mas seu um metro e vinte era suficiente para enfeitar o quarto, que era só dela. Olhava para mim sorrindo um pouco mais. Sabia que era vista por mim como uma boneca com um par de olhos nas mãos.
Mudamos para uma certa cidade e, coincidentemente, Sô Lelé Restaurador também. Santa Luzia foi para a igreja do povoado e, na cidade, trocamos santos novos - imagens menores - mas lindas também, folheados em ouro, pintados com tinta importada por artista plástica granfina do Rijanero. Com o tempo, deram defeitinhos, descascadinhos e minha mãe, que já havia tido notícias do novo endereço do restaurador de imagens, pegou-os todos, caladinha, e levou pra consertar. Sô Lelé acabou com o Sacré Couer de Jésus e com o Sacré Couer de Marie, com o dragão de São Jorge Guerreiro e com o esplendor de Nossa Senhora de Guadalupe. Passou tinta comum por cima de tudo e só restou intacta a fé inabalável de mãe, que estava acima de conceitos de arte. Achei uma pena, mas ela adorou; beijou cada um deles com fervor, colocou-os de volta no oratório, feliz da vida -agradecendo a Deus pelo trabalho digno, pela bela profissão do querido amigo restaurador de santos.