Um austríaco apaixonado
                          por Salvador

          Passou há pouco pela minha rua um carro sonoro fazendo a propaganda de um candidato à prefeitura de Salvador. Não fiz questão de identificá-lo. Incomodou-me, sim, a divulgação, naquelas alturas, do que ele pretende fazer, caso chegue ao Palácio Tomé de Souza. 
          Esse candidato - como, aliás, todos os outros aspirantes à chefia do governo da "primogênita de Cabral" - promete, entre mil e outras coisas, tirar a capital baiana do charco em que no momento se encontra.  Que o Senhor do Bonfim o ajude e ajude, também, seus concorrentes. 
          Da janela, aqui ao lado, meu vizinho foi logo me dizendo: "Olha, só vendo pra crer..."; e acrescentou: "Ninguém ama, de verdade, esta cidade!" Ele não exagerou na sua oportuna observação.
          Salvador, no momento, está sendo visivelmente maculada, maltratada, judiada, insultadas pelos seus atuais governantes. 
          Ela não perdeu o seu donaire porque nasceu bela. Salvador nasceu glamorosa! Salvador é linda!
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          Ouvindo os últimos acordes da "marchinha" foleira do tal candidato, deu-me vontade de recordar o que, com imenso carinho, um estrangeiro, no século passado, escreveu sobre Salvador, chamando-a de Bahia.
          Sim, num tempo qualquer da sua gloriosa trajetória, Salvador foi chamada pelos brasileiros simplesmente de Bahia; a cidade da Bahia.
          Durante muitos anos se disse: vou pra Bahia, indo pra Salvador; moro na Bahia, morando em Salvador; adoro a Bahia, adorando Salvador. 
          Por que chamar Salvador de Bahia? Salvador tem a emoldurá-la a baía de Todos os Santos, e lembra o mestre Afrânio Peixoto que "Bahia deriva, pois, de baía".
          Creio, que Ary Barroso quando, na canção, disse ter encontrado "a morena mais frajola da Bahia", quis se referir à soteropolitana da Baixa do Sapateiro, hoje um pedaço da capital baiana completamente abandonado, indiferentes os governantes à sua gostosa tradição. 
          Não afirmo isso com absoluta certeza e segurança. Mas, tudo indica que o meu ponto de vista tem alguma procedência. Com a palavra os estudiosos da obra do autor de Aquarela do Brasil.
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          Amar Salvador. Para amar ainda mais Salvador, recomendo aos senhores candidatos a prefeito e vereador a leitura de dois livros do mestre, repito, do mestre Afrânio Peixoto: Breviário da Bahia e Livro de Horas, agora só encontrados nos sebos ou nas estantes dos amantes da Boa Terra, entre os quais me incluo, desde que aqui cheguei, no início de 1957.
          Para os candidatos que não sabem - e pelo perfil dos que aparecem na TV não duvido nada -, o baiano Afrânio Peixoto (1876-1947) foi muita coisa neste mundo: médico, político, romancista, ensaísta, crítico literário e historiador. Nasceu na simpática cidade baiana de Lençóis, no coração da mística chapada diamantina.
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          Mas, afinal, que disse o estrangeiro, manifestando sua admiração pela Bahia, a capital da Bahia? 
          Poderia transcrever tudo o que de carinhoso e significativo Stefan Zweig disse sobre a primeira capital do Brasil, recorrendo ao Breviário de Afrânio. 
          Não o farei. Não devo cansar o leitor e nem chatear os políticos que, neste instante, estão muito mais preocupados em prometer mundos e fundos ao incauto eleitor salvadorense, aproveitando os poucos dias que antecedem as eleições. 
          Resumindo, escreveu Zweig: 
          - "Só pelas suas pedras e ruas se compreende a História do Brasil, só esta cidade nos permite compreender como, de Portugal, nasceu o Brasil."
          - "A Bahia, ao contrário de todas as cidades brasileiras, possui um traje próprio, uma cozinha própria e uma cor própria."
          - "Na Bahia tudo, com as mais variadas cores, se mistura o presente ao passado."
          - "A Bahia, e só a Bahia nos permite conhecer e compreender o Brasil".
          E tantos e tão robustos são os elogios de StefanZweig à cidade da Bahia, a Salvador, que, salienta Afrânio Peixoto, "fez ciúmes". 
          Mirem-se, pois, os candidatos na verdadeira história de Salvador. Se disponham a cuidar mais e melhor da cidade que encantou ninguém mais do que o austríaco Stefan Zweig. 
          Apaixonem-se por ela...
      

 

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 14/09/2012
Reeditado em 14/09/2012
Código do texto: T3881955
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