HERÓIS DA RESISTÊNCIA

Numa tarde desse escaldante verão, estava eu a contemplar a beleza exótica de minha coleção de cactos que habita a área de fundos de minha casa. O concreto e o asfalto da cidade potencializavam os 40º anunciados pela mídia. Há pessoas que cultivam cactos pela baixa exigência de cuidados, pois a maioria deles resiste semanas sem irrigação. Seria como um expressar: “Para não dizer que não tenho plantas em minha casa”. Mas a minha paixão pelos cactos vai além do comodismo, eles exercem um grande fascínio em mim.

Nesse momento de contemplação, fui tomada por um profundo sentimento de compaixão ao sentir a proximidade distante daquelas criaturas e a solidão que aqueles espinhos rígidos impunham a elas. Quem além das cochonilhas se arriscaria na perigosa aproximação? Pus-me a pensar em suas raízes rasas e expandidas e na beleza estupenda e simétrica de suas flores em meio a tantos espinhos, flores essas geralmente efêmeras e sensíveis, algumas permanecem abertas somente por duas horas e se abalam ao menor contato com outros corpos.

Bom, mas cactos são cactos, e, pelo instinto de sobrevivência, precisam manter as características de defesa adquiridas nos ambientes inóspitos de suas origens, onde passaram por séculos de evolução. O que me causa compaixão maior é constatar que nós, seres humanos, estamos cada vez mais nos espelhando nessas plantas. Vivemos numa sociedade repleta de ambientes inóspitos, gerando indivíduos com belos corpos, porém repletos de espinhos e com suas flores tão efêmeras. O crescimento da competitividade, da violência, da desconfiança, do individualismo, da fragilidade dos relacionamentos, entre outros fatores, faz com que nossos espinhos estejam cada dia mais expostos, em prontidão para nos defender.

Defendemo-nos de tudo e de todos, mas esquecemos de nos defender de nós mesmos, de nossa auto piedade, de nossa dificuldade de amar e aceitar o outro, de nosso medo de fracassar, medo de abrir o coração e tê-lo partido e de tantas outras mazelas e misérias emocionais. A dificuldade de aceitar o próximo retrata nada mais que a dificuldade de aceitar a si próprio, pois como podemos seguir os ensinamentos do Mestre, -Amai ao próximo como a ti mesmo.- se não nos amamos? Não se pode dar o que não tem.

Dessa forma, estão cada vez mais presentes em nosso meio os relacionamentos sem vínculos afetivos, sexo sem compromisso, amizades por interesse, investimentos em amores impossíveis ou platônicos. Essa é a tal sociedade líquida.

Eu costumo me referir aos cactos como os “heróis da resistência”, com essa postura rígida eles garantem a sobrevivência da espécie. Mas, e nós, até quando vamos continuar cultivando nossos espinhos e resistindo ao prazer de sentir a verdadeira alegria no corpo, o prazer de sentir a vida pulsar livremente em cada célula? Até quando vamos resistir e não fazer contato com nossos próprios sentimentos, dificuldades e limitações? Não somos vegetais passivos e estáveis, somos seres dotados de infinita capacidade de transformação e aprendizado para vivermos cada dia melhor e mais intensamente.

Janeiro / 2011

Rose Tunala
Enviado por Rose Tunala em 13/09/2012
Código do texto: T3880599
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