Jesus Instagram

Nove horas da manhã e eu caminho em direção ao meu trabalho. Passo ao lado de um Shopping Center e vejo uma fila quilométrica do lado de fora. A maioria mulheres de meia idade, e algumas crianças. Será que vão distribuir alguma coisa hoje? Fico sem saber e vou ao trabalho. Na hora do almoço, passo por lá de novo e a fila está inacreditavelmente maior. Santo Cristo! Está praticamente dando a volta no Shopping! Decido entrar para tentar descobrir do que se trata. Não consigo achar o começo da fila. Vou seguindo as pessoas para ver onde é que isso vai dar. Percebo então que a fila sobe pela escada e vai até o segundo andar. O que será isso, meu Deus? Continuo atrás até que encontro uma sala fechada. É diante da porta dessa sala que a multidão espera. E espera o quê? Uma cartaz explica: Padre Marcelo estará ali dando autógrafos.

Então tudo se explicou. Aquela multidão que estava ali, provavelmente desde a madrugada, queria apenas que o Padre Marcelo rabiscasse o seu nome numa folha de papel. Mas houve quem negasse que seria apenas isso. Tenho um amigo mais católico do que Santo Agostinho. Ele me explicou que o Padre Marcelo fala palavras carinhosas e de amor, consola quem sofre, distribui esperanças e abraços. Bom, vá lá que assim seja. Mas não me pareceu nada que justificasse madrugar e passar o dia inteiro na fila. Vejam bem: qualquer padre de paróquia poderia oferecer o mesmo. A única coisa que o padre de paróquia não pode oferecer é autógrafo. Talvez tenham menos simpatia que o Padre Marcelo, admito. Um paroquiano, no entanto, poderia admitir também que o sucesso de uma palavra ministrada por um sacerdote independe do seu carisma.

Isso me lembrou o Facebook. A vida é algo muito parecido com o Facebook. Por vezes tenho inclusive a impressão de que ela o imita. Sei que o público que passou o dia inteiro na fila para ver o Padre Marcelo não é o mesmo que passa o dia inteiro na rede, mas não resisto a uma comparação. Vamos imaginar que estamos vivendo o período da crucificação de Jesus e que por acaso já existe Facebook. Não, não apenas o Facebook. Já existe Instagram. Pois bem. Eis o que iria acontecer: enquanto Jesus sofria todo tipo de humilhação carregando a sua cruz, teríamos uma cobertura em tempo real via redes sociais. Sabemos que uma coisa só existe a partir do momento em que for publicada no Facebook. E lá estariam imagens de Jesus na cruz, acompanhados de comentários que iriam da simples condolência ao mais vil sarcasmo.

O essencial seria postar uma imagem. Houve um tempo em que as pessoas iam aos shows de música para ouvir música. Não mais. Hoje elas vão para mostrar que estiveram lá. Não seria diferente na crucificação de Jesus: seria preciso provar que estávamos vendo a História acontecer. Eis a terrível verdade: haveria fotos de grupinhos de amigos com Jesus crucificado ao fundo. E todos se dizendo participantes do seu sofrimento. Alguma frase de revolta pela crueldade do mundo seria acrescentada, e então o sucesso estaria garantido: muitos likes, muitos compartilhamentos.Alguns mais condoídos trocariam sua imagem no perfil para uma que dissesse "Luto". E em seguida compartilhariam algum post da Gina Indelicada, ou um meme qualquer. E provavelmente Jesus seria esquecido pela maioria tão logo saísse dos Trending Topics.

Agora me ocorreu que alguns, se tivessem a oportunidade de encontrar Jesus pessoalmente, não se lembrariam de pedir cura, libertação ou salvação, mas tão somente uma foto. Talvez pedissem pra Jesus autografar a sua Bíblia. De que serviria o padre de paróquia para essas pessoas? Há casos em que é preciso lembrar as pessoas de algo que elas próprias acreditam: que tudo o que mais precisam está disponível de forma tão acessível e natural que não é preciso sequer esperar o dia inteiro numa fila interminável. E de que os melhores momentos da vida delas não serão flagrados pelo Instagram, pois acontecerão quando estiverem sozinhas em seus quartos, com a porta fechada.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 13/09/2012
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