"I Love You So Much!"
Ontem, logo após o término do culto na magnífica Cannon Chapel da Emory University, caminhava em direção à saída do templo quando algo me tocou forte na região lombar direita. Virei-me para ver e lá estava o Bispo L. Bevel Jones III, com seus mais de 90 anos e já curvado pela idade, apoiando-se com uma mão na cadeira ao lado e, com a outra, estendendo, o mais que podia e quase ao ponto de desequilibrar-se, sua famosa bengala de marfim.
Instintivamente, andei os dois passos que nos distanciavam e dei-lhe um abraço cuidadoso em face da idade, dos problemas de saúde e da queda que teve há alguns meses, na qual quebrou alguns ossos da perna, dos braços e da bacia. “I love you so much, Wesley!”, ele me disse pausadamente e sem desviar o olhar. “I love you, too, my dear Bishop!”, respondi com convicção e prontidão, tentando esconder a surpresa que ele, uma vez mais, me causara, e conter as lágrimas que já ameaçavam acumularem-se nos meus olhos.
Não foi a primeira vez que ele me falou do seu apreço por mim. Em 2004, quando cheguei na Emory para fazer o pós-doutorado, sem sequer ter me encontrado antes, O bispo Jones foi o primeiro a me cumprimentar numa das minhas rápidas saídas pelos corredores da Candler School of Theology. Ele me chamou pelo nome sem que eu o tivesse mencionado; queria saber como eu estava, se me faltava algo, como poderia ajudar, etc.
Não o conhecia previamente e, portanto, não fazia nenhuma ideia de quem se tratava. Perguntei-lhe pelo seu nome, e ele disse apenas “Bevel”. “Grato, Mr. Bevel. Prazer em conhece-lo!”, respondi prontamente. Como me intrigou a sua abordagem, busquei saber quem era o tal “Bevel”. Procurei nos catálogos e descobri, fascinado, que se tratava de um dos ícones do metodismo contemporâneo do sul da América. Mais tarde soube que ele participou no processo da minha seleção para o pós-doutorado.
Suas histórias são fabulosas e boa parte delas são contadas em sua autobiografia intitulada One Step Beyond Caution: Reflections on Life and Faith (Um Passo Além da Precaução: Reflexões Sobre Vida e Fé). Graduou-se em escolas famosas e publicou vários artigos em jornais e periódicos religiosos, além de ser um dos bispos em residência na Emory e de ainda atuar como assistente especial na área de desenvolvimento da Candler, à esta altura por décadas. É admirado nem tanto pela importância que teve e tem no quadro do movimento cristão ecumênico, mas pela capacidade de enxergar as pessoas, de ouvir suas histórias, de falar ao coração delas, de ir além da tolerância discursiva, e de vir com as palavras precisas, nos momentos certos, no tom correto, e nas formas apropriadas.
Desde o início de seu ministério, tornou-se uma referência do movimento liberal e, certamente, esta opção o fez sofrer os mais diversos preconceitos provindos do mundo evangelical metodista e até além do próprio metodismo. Afinal, para aqueles que se definem possuidores de reta doutrina, os "liberais" são pseudo-cristãos, desprovidos de Evangelho, não-espirituais, desviados do que se costuma classificar de "bases bíblicas", secularizados, indiferentes, frios e sem expressão de afeto. Não é verdade! Vi todas estas desqualificações -- e ainda outras piores! -- em alguns líderes eclesiásticos que conheci de perto, incluindo conservadores e carismáticos, progressistas e puritanos, evangelicais e libertadores.
O Bispo Jones teria tudo para desenvolver aquela insuportável empáfia episcopal facilmente observada nas relações puramente eclesiásticas, institucionais e hierárquicas, mas foi humilde e maduro o suficiente pra não tomar este caminho. Preferiu continuar tocando pessoas, estando com elas, sendo como elas, e dando sentido ao que é mais importante e vai muito mais aquém e além das relações eclesiásticas: o afeto eclesial em torno da mesma Cruz, o senso comunitário simples e desprovido de motivação político-eclesiástica e ideológica.
Quando nos despedimos, não pude dar um só passo sem pensar a respeito da sua atitude e palavras. O que primeiro me veio à mente foi que não nos custa nada sermos afáveis e encorajadores, e manifestarmos o apreço e o cuidado por alguém que pode parecer não significar nada e não passar de uma ameba, se comparado a autoridade ética, moral e eclesiástica como a que possui o Bispo Jones.
O segundo pensamento surgiu de algumas das minhas memórias de experiências negativas de passados não tão remotos. Os status quo eclesiásticos ou societários, aqueles das capas episcopais, das togas acadêmicas, das camisas clericais ou dos anéis de graduação, não deveriam jamais levar pessoas de carne e osso a se tornarem arrogantes, agressivos, centrípetos, geradores de dependência, controladores, abusivos e autoritários.
Dentre as coisas que aprendi deste reencontro com o notório afeto do Bispo Jones, está a de que liderança cristã nada tem a ver com borra eclesiástica que redesenha o caráter e a personalidade, e dela não se deveria extrair energias relacionais. Como líder quero desenvolver a arte de expressar apreço e deferência, além de respeito e consideração, afeto e encorajamento, enquanto mantenho minha mente crítica e alerta, e meu coração aberto e transparente. Mais que tudo, quero ser capaz de amar mais do que sou amado, de desenvolver a arte de me esvaziar e dizer, sem titubeio, olhando nos olhos de quem precisar ouvir, “I love you so much, brother/sister!”
Luís Wesley