Utopia

Não sei se foi sonho, se foi devaneio... só sei que foi assim: eu chegando ao lugar onde fica a igreja da minha infância, a que nos assistia desde que eu nasci e por um longo pedaço de nossas vidas, mas tinha uma grande diferença: a avenida, os arredores até onde minha vista podia alcançar, eram limpas, simétricas, tudo pintado de muito claro, sem poluição e sem trânsito. O muro era três vezes mais alto do que a realidade e não tinha a escadaria com a porta principal. Era todo patrulhado por belos guardiães, vestidos de branco, sem armas e que se dirigiam a quem chegasse perto com extrema ternura. Dali eles conduziam a pessoa até perto do muro e, se essa pessoa estivesse em condições espirituais satisfatórias, ela divisaria a entrada para o templo. Quando lá chegamos...(eu também consegui) vi que tudo era de calma paradisíaca e que a nave não era como as convencionais. Havia um imenso salão vazio e ladrilhado, com um brilho intenso e desenhos maravilhosos no chão. Desse salão saíam para todos os lados, corredores que não pude saber como eram iluminados. Só sei que era uma luz diáfana suave e levemente colorida, como se fossem vitrais gigantescos. Ao passar por cada corredor, pude ir visitando lindos salões cheios de gente, com espaço de sobra, organização, gente de roupas claras a cuidar de tudo; pude ver idosos felizes e sem aquele sorriso que é quase pranto, bem cuidados; vi crianças amparadas e agasalhadas; vi pessoas doentes e feridas, todas em plena recuperação e vi tudo que Deus permite a um ser humano sonhar. E depois de muito andar abri uma porta que passava para um parque bem cuidado e com todas as espécies de animais, ferozes ou não, todos cuidados com o mesmo carinho e nenhum agredia, porque não era agredido. Porque os ataques de animais que o mundo presencia, começam da parte do bicho-homem. Tudo aquilo me pareceu a ante-sala do paraíso. Caminhei para um enorme pátio que me dava a impressão de uma ruína de cemitério, mas só causava boa impressão. Meias colunas e pedaços de estátuas cobertas de flores mil; os ares eram de paz e amor. E eis que de trás da esquina do templo vieram a mim, quase a me cegar, uma luz e um perfume intenso que me trouxeram à realidade e eu até agora não sei se acordei, se voltei a mim ou se não estive lá. Só tenho no peito uma certeza: não vi o que era, porque estava clara a presença de Deus e eu não estou, nem sei, se algum dia estarei preparada para me ver frente a frente com Ele, pois o meu aprendizado neste mundo e, talvez em outros, ainda será muito longo. Tudo o que eu vi, me trouxe a certeza da presença Divina e evidenciava, conseqüentemente, a caridade, a clareza, a bondade, a justiça social e especialmente a paz. Tudo simples, porém conservado, melhorado, ratificado, como deveria ser o mundo idealizado pelo Criador. Aí seria a morada dos justos. Às vezes fico a pensar se não me foi concedida uma antevisão do que poderia vir a ser, se cada um de nós tentasse se redimir...Quem sabe? Há muito sei o significado da palavra utopia, contudo resolvi confirmar com o meu companheiro, o dicionário, que quando a revirar os alfarrábios da minha alma, tão sem préstimo, a minha mente tão antiga, preciso de ajuda; eu sabia que era fantasia, delírio, quimera e ele completou para mim: lugar que não existe, país imaginário onde tudo está organizado da melhor maneira, plano teórico que não pode ser realizado, projeto irrealizável... E me fica uma pergunta aqui no meu peito: se no dicionário de Deus não existem palavras como impossível e irrealizável, então cai por terra o dicionário dos homens. Irrealizável... Será?

Celeste - setembro de 1994

 
Pássaro Feliz
Enviado por Pássaro Feliz em 20/02/2007
Reeditado em 22/09/2014
Código do texto: T387711
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