Cemitério dos Vivos
“Em razão da Lei Municipal nº 17.800/12 de Recife, informamos que: ‘Fica proibida a entrada de cliente e funcionários em agências bancárias portando aparelho celular.’”
A lei municipal acima despertou em Azambujanra uma revolta ao lembrar de quando ele esteve recolhido a quartéis, com direito a “prisão especial”, por ser diplomado em curso superior. Ao ser decretada a prisão preventiva que perdurou por um ano, o juiz denegou o pedido de revogação da custódia provisória, apegando-se a anterior denegação de Hábeas-Corpus, impetrado ao Tribunal de Justiça. Como o juiz insistiu em não relaxar a prisão preventiva decretada, que se estendeu por prazo muito superior ao estabelecido em lei, Azambujanra solicitou sua transferência para um presídio comum. Até porque, nos quartéis da Polícia Militar é proibida visita conjugal, horrível até para os próprios militares.
“Cemitério dos Vivos”, denominação utilizada pelo meu companheiro de ideologia e de sofrimento, vítima de uma onda de grande marginalização no Grande Recife. O uso freqüente de drogas (incluindo bebidas alcoólicas, uma das mazelas que é oficializada) permite uma decadência no ambiente em que habita, afetando assim a vida de toda família. Sendo isso decorrente da miséria social na qual os habitantes passam fome, desemprego...
O uso das drogas já está tão desrespeitoso, que Azambujanra chegou a advertir a um casal de maconheiros, que juntamente com mais outros jovens inexperientes, faziam uso do cigarro. Tentando adverti-los, foi ridicularizado pelos jovens viciados. Psicologicamente o meu amigo ficou abalado, pois o assassinato de um dos rapazes no mesmo local onde houve um assalto deixou um questionamento na opinião pública, e talvez por não terem como agir, e ao que tudo indica, teriam sido eles (os assaltantes) os praticantes de tal ato, acharam por bem incluir Azambujanra como suspeito. Justificativa: porque estava envolvido num processo que há anos atrás, quando houve um tiroteio na Vila entre Azambujanra e um sargento da polícia. Julgado na Auditoria Militar pelo Conselho Permanente de Justiça do Estado, eu assisti a sua absolvição. No processo constava que o sargento estava numa moto e que não poderia ter atirado, ficando assim como vítima e Azambujanra como réu. Então, para provar que realmente houve o tiroteio, o advogado de defesa tirou do bolso do paletó recortes de jornal e revista e os leu em voz alta:
“... A agencia oficial de notícias Iraniana PARS disse que Jalali Khomeíny, religioso que chefia a Polícia Revolucionária, escapou ileso de um atentado ontem de motociclistas armados...” e no do jornal: “ Esta semana assisti uma cena de violência que me chocou bastante. Dois rapazes passaram numa moto e um deles trazia na mão um chicote que aplicou nas costas de um rapaz com tanta violência que lembrava uma cena de escravatura. Após o golpe saíram rindo e o rapaz chicoteado se contorcia em dores e sangue. À distância desfilava garbosamente nossa polícia montada...” “No desfile militar de 7 de Setembro, grupamento de Motociclistas da Polícia Militar... acrobacias dos militares arrancaram aplausos do público...” a leitura acabou emocionando o Juiz Auditor da Justiça Militar do Estado, corpo de jurados e a todos os presentes.
Azambujanra saiu do “Cemitério dos Vivos”, ganhou a liberdade e pede para que as autoridades ofereçam oportunidade para que o preso produza alguma coisa e melhore suas condições de vida. Não é admissível que a população carcerária seja tratada da maneira como vem sendo. Já foi comprovada a situação irremediavelmente caótica do sistema carcerário brasileiro. Lugar onde deveria existir, no máximo, 1.400 encarcerados, abriga cerca de 3.600 presos, geralmente pessoas pobres e analfabetas. A comida é cozinhada pelos próprios presos. A justiça, por exemplo, não soluciona de vez as injustiças sociais. A assistência jurídica é por demais deficiente. Para tentar combater o banditismo no Brasil certos tipos de prisão não corrige a pessoa socialmente e dão uma grande despesa para o Estado na manutenção de presos, exceto aos verdadeiros criminosos, que vivem sob o véu da impunidade. Não é preciso maltratar os presidiários, violando correspondência ou utilizando abusivamente comunicação telefônica dirigida a terceiros. A meu ver, isto tudo é um ato contrário aos direitos humanos. Grham Bell inventou o telefone sem preconceito e discriminação. Será que é crime um preso ler, escrever, ouvir rádio, assistir a TV, telefonar ou possuir um celular?
(Trecho publicado na Folha de Pernambuco/2003).
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