O PROJETOR DE SLIDE

Talvez eu estivesse com dez ou onze anos à época, ali por volta de 19 e alguma coisa, e nesse interregno a cidadezinha onde morava ainda não tinha transmissão de TV. A diversão noturna para os adultos era levar cadeiras para a calçada e ficar conversando tanto com os familiares quanto com os vizinhos que se achegavam, convidados ou não. E a rua, de um lado e de outro, mostrava um cenário digno de filme indicado ao oscar ao enfeitar-se de dezenas pessoas conversando nas calçadas. Já a meninada, cheia de energia, brincava de polícia e ladrão, bandeira, jogo com bola de meia, esconde-esconde, tique e outras traquinagens próprias da idade. As meninas, recatadas, sentadas na ponta das calçadas, passavam anel, contavam estórias de Trancoso e trocavam confidências sobre os meninos.

Foi quando um vizinho mais abastado, morando quase defronte a minha casa, comprou, não sei onde, uma grande novidade para aquele tempo, um projetor de slide, deixando a rua toda em polvorosa. Como não havia televisão para assistir e os cinemas da cidade - apenas dois - estavam situados no centro, por isso mesmo muito distantes do bairro onde morávamos, somente eram frequentados pela garotada na matiné e no vesperal do domingo. E a arte cinematográfica, ainda em cinemascopo nesse tempo, sempre foi a diversão maior de todos, que aguardavam tomados de ansiedade o fim de semana para, dependendo de os pais deixarem e terem dinheiro para isso, lotar as salas de projeção para ver os faroestes protagonizados por Zorro, Roy Rogers e muitos outros, além de Tarzan, Jim das Selvas e Fantasma. Então, o projetor de slide do vizinho trazia um mundo de novos horizontes e muitos sonhos.

Não foi nenhuma surpresa, dessa forma, uma multidão de crianças, de certo modo convidadas pelo filho do vizinho abastado, que avisou sobre a cobrança de um cruzeiro por cabeça para ver os slides sendo projetados na parede da sala.Todavia, embora as pobres crianças tivessem feito de tudo para conseguir o dinheiro, o dono da casa não gostou nadinha da algazarra. Aborrecido, ele fechou a porta da frente e não deixou ninguém entrar, apesar dos gritos, dos apupos e da frustração da meninada. O máximo que ele permitiu foi entreabrir a janela e somente uns poucos privilegiados lá fora, em meio ao empurra-empurra, aos sopapos e às brigas, puderam vislumbrar a maravilha daquela novidade exibindo tanta coisa bonita e diferente.

Eu, frustrado, desisti, nunca apreciei me meter numa bagunça para conseguir algo que não me era permitido ter. Empurrar, bater, derrubar, gritar jamais se tornaram verbos de minha preferência. Não me arriscaria a estar ali naquele furdunço sendo empurrado, chutado, levando cotoveladas e muitos piparotes certamente, na tentativa de enxergar somente um pedacinho dos slides. Para conseguir o dinheirinho suado que me garantiria o acesso à casa eu ralei muito fazendo mandados para as vizinhas, com a autorização de meus pais que sabiam de minha predileção pela arte cênica. Nem adiantou. Afastei-me do alvoroço infantil se desenrolando na calçada do dono do projetor de slide, guardei a cédula de um cruzeiro no bolso do calção e fui sentar na calçada, olhando de longe o ruge-ruge. Meu pai me viu chorando em silêncio, levantou-se da cadeira de balança onde estava, veio até mim e passou a mão na minha cabeça, dizendo, para tentar me consolar; "tem nada não filho, domingo você vai assistir o vesperal!"

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 10/09/2012
Código do texto: T3875627
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