Ensino Técnico : Utopia X Realidade

Ensino Técnico: Utopia X Realidade

Jorge Linhaça

José Serra apropriou-se, no horário eleitoral, da fundação Paula Souza como se a houvesse criado (pratica corriqueira do seu currículo) e diz ter ampliado a rede de ensino técnico.

É óbvio que não teria feito mais do que a sua obrigação enquanto governador.

No entanto, é preciso ir além e olhar por outro ângulo que passa despercebido ao povo em geral.

Embora o ensino técnico seja uma ótima opção para quem não tem recursos para cursar uma faculdade, essa ação só teve início justamente quando os planos de crédito passaram a contemplar mais facilmente os estudantes de baixa renda, dando-lhes acesso às cadeiras das faculdades.

Parece-me, portanto, que esse súbito interesse pelo curso técnico está atrelado à ideia de colocar o pobre no seu “devido lugar”, em uma posição subalterna dentro da indústria ou do mercado de trabalho.

Assim sendo, pra que deixar um filho de operário cursar engenharia se o curso técnico está mais do que bom para ele? Deixem a engenharia para os filhos dos abastados.

Para que correr o risco de um pobretão se formar médico ou enfermeiro padrão se pode acenar-lhe com as migalhas de técnico de enfermagem?

Afinal, “era preciso combater o perigo” do sistema de cotas e o acesso aos cursos universitários.

Foi uma bela sacada do candidato e do seu partido, que ele agora promete expandir para a rede municipal de ensino.

Como a rede municipal só tem obrigação com o ensino fundamental, podemos esperar pelos cursos de serralheiro, torneiro mecânico, soldador, azulejista e coisas do gênero. É preciso entender que estes cursos serão profissionalizantes e não técnicos. Outra meia verdade do candidato.

Nada como manter o fluxo da mão de obra barata e qualificada para atender às necessidades dos empresários e empreiteiros.

Uma formação técnica com cursos de um ano e meio ou dois parece bem mais tentador aos alunos acostumados a não ter que estudar, criados pela política educacional atual, do que quatro ou cinco anos em uma universidade.

Isso falando de técnico mesmo e não de profissionalizante.

Como podemos perceber, uma coisa leva a outra, dando a impressão de se estar fazendo algo em prol da população quando tudo o que se pretende é manter o povo ocupado com trabalhos mais pesados e alienado das discussões dos bancos da faculdade.

Num curso técnico o foco é totalmente na parte profissional, nas tarefas a serem executadas, na parte prática da coisa. Ali não se fala de filosofia, história, psicologia, sociologia ou qualquer outra coisa que possa levar o aluno a pensar sobre seu papel enquanto cidadão.

Alega-se que quem se forma em um curso técnico está mais financeiramente preparado para cursar uma faculdade. Seria muito bom...muito legal...mas a verdade é justamente outra.

A grande maioria dos estudantes que se forma no ensino técnico acaba por sucumbir à ”síndrome da acomodação financeira.”

Analisemos melhor e com praticidade. Um aluno que saia do ensino médio com seus 18 anos e ingresse imediatamente no curso técnico, terminará o curso com a idade de praticamente 20 anos. Provavelmente já estará empregado e com um salário razoável para um início de vida. Depois de 14 anos ininterruptos de estudo e com o novo status de profissional remunerado, suas prioridades serão “dar um tempo” e curtir a sua vocação; comprar um carro ou moto; adquirir outros bens que não possua etc. Além disso é preciso levar em conta que já estará trabalhando suas 8 horas por dia, em um ritmo bem diferente do que vinha tendo até então.

Satisfeitas as necessidades de consumo e alcançado o status profissional, o próprio ambiente de trabalho, no mais das vezes, contribuirá para a sua acomodação. A faculdade passa a ser “desnecessária” até porque algumas profissões técnicas são melhor remuneradas , hoje, do que quem cursa o ensino superior.

Criamos, pois, a força de trabalho necessária, suprimos a sua necessidade imediata de remuneração e deixamos de formar um cidadão pensante, afastando-o dos bancos das faculdades onde desenvolveriam seu senso crítico.

Antecipando essa criação de força de trabalho para alunos “formados” com 16 ou 17 anos de idade, adentrando a força de trabalho com alguma remuneração que lhe permita consumir o que deseja, antecipamos também o desinteresse em seguir adiante nos estudos.

Vejam que isto que digo é baseado no quadro atual de ensino, fosse outra realidade e seriam outros os resultados previsíveis.

Diante do quadro atual não se pode esperar nada muito diferente dos tempos da revolução industrial onde a prioridade era treinar mão de obra e alienar os trabalhadores.

Assim sendo o quadro ficará cada vez mais completo:

Ensino fundamental que mal alfabetiza

Ensino profissionalizante que vai tirar muitos alunos do ensino médio por acharem que já tem uma profissão e estarão ganhando seu dinheirinho.

Pros que sobreviverem mentalmente:

Ensino médio que não ensina.

Ensino técnico que não dá tempo de pensar em cidadania, não formando cidadãos capazes de desenvolver o senso crítico.

O resultado final? Uma população alienada que só serve de massa de manobra nas eleições.

ESSE É O QUADRO QUE QUEREM PINTAR. ! A OBRA PRIMA DA MISÉRIA HUMANA.

Salvador, 10 de setembro de 2012.