GENTE HUMILDE!
"Então me dá uma tristeza no meu peito
pelo despeito de não ter como lutar,
Aí então eu peço a Deus por minha gente
É gente humilde que vontade de chorar"
Abril de 2009
Precisamente o ano em que eles vieram para Santo André, não posso afirmar. Sei que, ainda criança de colo, em fins dos anos trinta do século passado, vivia eu nos braços da Aninha e da Mafalda. As duas mulheres de uma prole de inúmeros homens. Davi, o pai e Henriqueta, a mãe, provavelmente enxergando um futuro não muito promissor para os filhos, na pacata cidade de Torrinha, no interior de São Paulo, resolveram aqui se estabelecer. Principalmente ela, pois Seu Davi permaneceu cuidando da fazenda, juntamente com o filho Hermínio, vindo para cá de quando em quando. Pois bem, sem me preocupar pela ordem de idade, além das duas moças e do Hermínio já citados, os filhos eram o Gentil, o Benjamim, o Cirineu, o Quinto, o Aurélio e o Antonio. Todos, nessa época, já adultos. Morávamos bem perto, era só atravessar a rua, eu na esquina da Guilherme Marconi com a Jorge Moreira, onde nasci, enquanto eles, na esquina da Guilherme Marconi com a rua Santo André, na Vila Assunção.
A casa dos Tombolato possuía um enorme quintal. Nele, havia de tudo o que uma família interiorana normalmente tinha. Pés de frutas, horta, galinheiro e até o chiqueiro. Ali dei meus primeiros passos, sempre cuidado pelas irmãs. Corria atrás das galinhas, recolhia os ovos. Minha casa era, também, uma verdadeira chácara, com um variado pomar. Mas, a da dona Henriqueta era meu paraíso. Aliás, Paraíso era o nome da fazenda deles. Após, já no grupo escolar, fui mais do que uma vez passar as férias na Paraíso, junto com o Antonio, que era o filho mais novo e meu saudoso irmão Sebastião, ambos grandes amigos.
Dona Henriqueta foi uma mulher de fibra. Conseguiu manter todos os filhos na linha, uma verdadeira matriarca. A vida da família girava em torno dela. Mantinha a tranqüilidade familiar, era a cozinheira, a arrumadeira, a lavadeira, enfim a era a “faz tudo”. Inclusive, em determinadas épocas, ela mesma sacrificava um porco já suficientemente gordo, do qual aproveitava tudo, da banha para a cozinha e para fazer sabão, até a carne para o consumo e para a lingüiça.
O Gentil, o Tico como o chamávamos (sempre sério, me metia um medo!), o Benjamim (o Méme) e o Cirineu trabalhavam na indústria. O Aurélio e o Antonio (Tonico) na farmácia do irmão Quinto, que ficou famoso em Santo André, como o farmacêutico da cidade. Quem não conheceu o Quinto? Quem, mesmo antes do médico, não foi procurar o Quinto?
“- Quinto, o que é bom para a tosse? Estou enjoado, com um mal estar, o que é bom para isso? Tem remédio para a dor de barriga?” Para tudo e para todos ele tinha a solução. E o melhor. Acertava. Sem nos esquecermos de sua simplicidade, de sua simpatia. Assim se chamava porque foi o quinto dos filhos a nascer.
A vida, o correr dos anos, cuidou de nos afastarmos. Não tive mais contato com nenhum deles.
Os homens faleceram. Inesquecíveis aqueles fins de tardes de verão, com as cadeiras dispostas na calçada da Dona Henriqueta, onde se reuniam as mulheres e as crianças da vizinhança, para a conversa do cotidiano, espantando os “siriris” e nos deliciando com os picolés de côco e de limão do Gardezani.
A casa deles continua lá, hoje um comércio. A minha é que não, substituída por um prédio.
Bons tempos. Que saudade!