Castigo de Deus
 
 
Eu e minha mãe estávamos a passeio naquela fazenda na casa de minha tia Adelaide, na vastidão do sertão nordestino. Minha tia tinha quatro filhos. Lembro-me que naquele dia era Sexta-Feira Santa e, enquanto os mais velhos conversavam pelas horas transcorridas da tarde embaixo das extensas sombras das árvores, submetidos à sonoplastia do canto das galinhas, do latido dos cachorros e do assobio de alguns pássaros, nós, crianças, não muito interessadas nos assuntos dos adultos, queríamos era nos divertir. Assim, saímos por um estreito caminho entre um matagal que se formava à beira do curral que seguia até um riacho em razoável distância da sede. Era um brejo raso, mas bastante largo e cheio de galhos secos numa grande parte da água entre os inúmeros pés de Buritis. Havíamos levado anzóis para pescar, pois naquele brejo tinha muitos peixes que podiam render uma boa farofada. Por sinal, eu adoro um peixe frito com farinha. No entanto, antes de começarmos pescar, banhamos bastante nas águas mornas e transparentes sentindo as rajadas de sol que conseguiam penetrar por entre as árvores imensas em torno do riacho.
Sabíamos que naquele dia, segundo nossas mães, era impróprio pescar, pois era pecado pescar na sexta-feira santa e, embora a gente meio que desconfiando da sabedoria dos mais velhos arriscamo-nos na empreitada divertida, mas proibida pela crença popular. Cada garoto com a isca no anzol procurou o melhor ângulo às margens do lago para investir na caça aquática. Nos primeiros minutos da pescaria conseguimos pegar pequenos peixes e algum tempo depois senti uma puxada forte no meu caniço e, eufórico por ter fisgado um peixe grande, comecei a puxar para fora da água àquela pesada presa. De repente vi que eu puxava uma enorme cobra no meu anzol. Apavorado, larguei o caniço e saí correndo, gritando de medo. Foi uma loucura desvairada. Os outros garotos, assustados, nem mesmo queriam mais entrar na água com receio da tal cobra.
 Depois de toda aquela confusão, resolvemos ir embora encabulados, conscientes do aviso dos mais velhos. Ao chegarmos a casa e ao relatarmos a história às nossas mães, ouvimos a bronca certeira:
 
- O que foi que dissemos? É pecado pescar na sexta-feira santa. Viram? Isso foi castigo de Deus!
 

 
 
Valdon Nez
Enviado por Valdon Nez em 10/09/2012
Reeditado em 11/07/2013
Código do texto: T3874723
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