Asas ruflando
Quando era adolescente, via que só morriam pessoas muito idosas. Os velórios, no sertão, eram um momento de encontro da moçada. Lá se trocavam ideias, brincavam, namoravam. Era a noite mais longa de nossas vidinhas trancadas em casa, raramente, liberadas para ir a um velório com a avó ou tia velha.
Quando os primeiros raios do sol rompiam no firmamentos, era um espetáculo singular, aquela manhã sanguínea vinha nos avisar que em pouco teríamos que voltar a nossa vidinha sem expectativa. Seguíamos o enterro, o coro de orações e canções: prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão; com minha mãe estarei na santa glória um dia...
e tantos outros cânticos. Voltávamos para casa com a sensação do dever cumprido.
Hoje quando preciso velar alguém, sinto o peso da morte sobre mim, pois, ao contrário de antes, passo a noite em claro, velando jovens que mal saíram do casulo, alçavam os primeiros voos e são abatidos de forma estúpida: ora pela droga, ora pela violência do trânsito. A dor das mães estampada no rosto, de outros jovens que sentem a morte soprar nos seus pescoços, arrepiados e desanimados, mal conseguem cantar, pois a dor dilacera suas almas e os faz reféns da morte.
Baixo a cabeça e tento voltar no tempo, vejo jovens livres qual pássaros ruflando as asas, cantando livres e achando que a morte é o caminho dos idosos, eles ainda vão gerar filhos, trabalhar para tornar o país melhor... uma lágrima queima meu rosto e sinto a esperança em uma linha tênue que separa o sonho da realidade.