DESCONFIANÇA E CIDADANIA

Há muitas formas de se exercer a cidadania. Há aqueles que se organizam em entidades civis sem fins lucrativos (?). Há o grupo que se encastela nos sindicatos e, de lá, aciona suas baterias contra os adversários e o governo – qualquer governo (?). Há outros que conquistam a cidadania pelo consumo – e, por extensão, pelo dinheiro (ou seria este um raciocínio que devesse estar invertido?): para este grupo, quanto mais do ano for o carro, ou quanto mais acessórios possuir, mais cidadania terá (o dono, não o carro (?)). Há também o grupo dos que ascendem ao principado da cidadania pelo network – um nome bastante pomposo e atualizado para a velha prática das relações, do lobby, dos apadrinhamentos de qualquer natureza.

Eu prefiro tentar ser cidadão pela desconfiança. Só a desconfiança gera a dúvida, que gera a força-motriz para uma tomada de atitude efetiva, em relação ao mundo e às pessoas. Quem não desconfia não pode ser cidadão – quando muito, será um ser acomodado, com a despensa cheia, o closet abarrotado da última moda, o carrão na garagem do condomínio fechado, mas incapaz de fazer qualquer movimento para mudar as coisas à sua volta. Nem sei se gente assim quer mudar algo à sua volta.

Por isso desconfio. Desconfio do que me dizem na rua. Desconfio do que vejo na televisão, do que ouço no rádio, do que leio nas revistas, nos livros – didáticos, principalmente os didáticos. Desconfio de todas as contas que recebo para permitir o mensalismo da minha vida. Desconfio dos folhetos de propaganda, dos outdoors, dos anúncios com crianças, com velhinhos, com jovens, com moças lindíssimas, com profissionais. Desconfio da internet. Desconfio da boa vida e da felicidade dos famosos da revista Caras e congêneres. Desconfio dos amores perfeitos demais. Desconfio de todos os corpos esculturais. Desconfio daquelas manifestações que envolvem abraços simbólicos e outras performances do mesmo naipe. Desconfio dos manuais de instrução. Desconfio de todas as campanhas para ajudar as pessoas carentes. Desconfio do prazo de validade nas embalagens dos supermercados e do peso da comida nos restaurantes a quilo. Desconfio das pesquisas. Desconfio dos orçamentos, do pedreiro ao ortodontista. Desconfio da eficácia dos remédios, do mesmo jeito que das informações das bulas. Desconfio do Ibope e de todas as pesquisas de opinião. Desconfio das leis e, sobretudo, de quem as faz. Desconfio da justiça. Desconfio de tudo o que já me ensinaram.

Desconfiar é bom. Faz com que eu me sinta em permanente estado de inquietação. Se todas as pessoas desconfiassem juntas, e ao mesmo tempo, ninguém segurava a força da sociedade. O problema é que desconfiar dói. E o ser humano não foi criado para sentir dor, mas prazer.

Marcos Fábio
Enviado por Marcos Fábio em 09/09/2012
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