DIÁRIO DE UMA VIAGEM COM O POETA ANTONIO FRANCISCO - I
Recentemente, convidado pela professora Sônia Carvalho – diretora da Biblioteca Pública de Aracaju/SE, eu fui à terra onde nasceu Lampião, para participar do II Encontro Sergipano de Literatura de Cordel – na condição de palestrante, com o tema “A Literatura de Cordel na Sala de Aula”– e coordenar uma oficina sobre a “Prática de Produção Poética Cordeliana”, tendo como titular da mesma, o poeta mossoroense Antonio Francisco.
Bem, conseguir falar com Antonio Francisco, sossegadamente, para lhe explicar como nós deveríamos trabalhar juntos, a oficina, foi uma tarefa extremamente difícil, haja vista os inúmeros compromissos do mesmo, que vão desde visitar escolas – a convite dos alunos e professores – até participar das Feiras que ocorrem no circuito da cultura de Mossoró e, também, atender os convites para que ele se apresente em outras cidades, levando a sua incrível capacidade de decorar, improvisar e encantar a todos aqueles que estão à espera de suas produções cordelianas.
Desta forma, já bem próximo de viajarmos para Aracaju/SE, eu ainda não tinha tido oportunidade de me sentar com ele para organizarmos o material de sua apresentação na capital de Sergipe e isso estava me deixando aflito – quem me conhece sabe como eu sou meticuloso com as minhas coisas e como eu gosto de estar inteirado dos mínimos detalhes daquilo que faço.
Inquieto com a situação, liguei para o poeta. Disse, cortando suas palavras várias vezes, da necessidade de nós nos encontrarmos para traçar um rumo sobre como chegarmos a Natal; de lá, irmos para o aeroporto e, consequentemente, pegarmos o avião, mas, principalmente, para que eu lhe mostrasse o que iríamos precisar de material para fazermos a sua oficina.
O poeta, na sua simplicidade, acalmou-me. Disse-me: “tenha calma, tudo se resolve, e nada vai dar errado”. E continuou: “confie na sua capacidade de transmitir conhecimentos e me deixe ‘solto’ que a minha parte eu farei”. Entendi, naquele momento, que o dom que Deus lhe deu não era para ser amordaçado em regras e métricas, muito menos, em detalhes que, no momento em que ele estivesse se apresentando, não passariam de meros detalhes de organização. Confiei. Disse-lhe, em poucas palavras, o que pretendia fazer na oficina e como ele, solto, iria ajudar na realização da mesma.
Pois bem... Chegou o dia da viagem. Fui à casa dele, para levá-lo comigo até Natal. O poeta, quando cheguei, já estava pronto. Ao seu lado, na mesa da cozinha, o seu amigo José de Ribamar – poeta, repentista e cordelista da melhor safra – que estava proseando e tomando um café. Dona Nira – esposa do poeta – disse-me que quem vai à casa dela, pela primeira vez, não sai sem tomar um cafezinho feito por ela. Eu que já sou viciado num cafezinho, depois que tomei o dela, fiquei mais viciado ainda.
Enquanto Antonio Francisco calçava os sapatos, vestia a camisa e pegava o seu bornal cheio de livros e cordéis, dona Nira me dizia que ali, naquela mesa, todos os dias, tomam café cerca de umas vinte pessoas. Espantado, eu perguntei se a família é grande assim. Dona Nira olhou para mim e sorriu, mas, antes que ela respondesse, o poeta disse que tem dia que ela sai perguntando àqueles que ela ainda não conhece, de onde eles são.
Bem, disse eu, acredito que no final de semana a coisa melhora, não?
Antonio Francisco respondeu rápido: melhora. Dobra o número. Entendi, então, porque ele é tão popular e tão querido. A sua casa é a casa de todos aqueles que não têm onde tomar um café pela manhã.
Saímos em direção a Natal. Era, ainda, cedo da tarde, mas o clima bem que estava ajudando. No caminho, aproveitei que estávamos só nós dois e combinei, tim-tim por tim-tim, cada detalhe da oficina que ele ia ministrar. O poeta, no entanto, aproveitava o tempo para contar piadas. Era uma atrás da outra. Tantas que, lá por Santa Maria, eu falei para ele: poeta, ou você para de contar piadas ou serei obrigado a parar o carro, pois já não aguento mais de tanto rir... Verdade. Era tanta piada que eu já não conseguia mais parar de rir e, com isso, os olhos estavam constantemente embaçados de lágrimas e uma dorzinha de cabeça já se fazia presente em minhas têmporas.
Ele parou um pouco e falou de coisas sérias. Falou, por exemplo, dessa corrida desenfreada pelo ter, por aparecer, por querer ser mais do que o outro. Mostrou-me, com exemplos simples, como é viver em comunhão com a natureza; confessou-me – depois que eu lhe contei sobre o meu filho, a sua vocação missionária e o seu voto de pobreza – que, na verdade, pobres somos todos nós que vivemos apegados às coisas materiais e lutamos, diariamente e contra o tempo, para adquirirmos coisas supérfluas para as nossas vidas.
Escutei-o. Ele, ao me ver sério, sentiu que a saudade do meu filho batia forte em mim e, rapidamente, contou mais uma piada, desanuviando o meu pensar e me fazendo rir novamente...
Continua...
obs: o poeta encerrando a minha palestra, declamando um dos seus cordeis...
Recentemente, convidado pela professora Sônia Carvalho – diretora da Biblioteca Pública de Aracaju/SE, eu fui à terra onde nasceu Lampião, para participar do II Encontro Sergipano de Literatura de Cordel – na condição de palestrante, com o tema “A Literatura de Cordel na Sala de Aula”– e coordenar uma oficina sobre a “Prática de Produção Poética Cordeliana”, tendo como titular da mesma, o poeta mossoroense Antonio Francisco.
Bem, conseguir falar com Antonio Francisco, sossegadamente, para lhe explicar como nós deveríamos trabalhar juntos, a oficina, foi uma tarefa extremamente difícil, haja vista os inúmeros compromissos do mesmo, que vão desde visitar escolas – a convite dos alunos e professores – até participar das Feiras que ocorrem no circuito da cultura de Mossoró e, também, atender os convites para que ele se apresente em outras cidades, levando a sua incrível capacidade de decorar, improvisar e encantar a todos aqueles que estão à espera de suas produções cordelianas.
Desta forma, já bem próximo de viajarmos para Aracaju/SE, eu ainda não tinha tido oportunidade de me sentar com ele para organizarmos o material de sua apresentação na capital de Sergipe e isso estava me deixando aflito – quem me conhece sabe como eu sou meticuloso com as minhas coisas e como eu gosto de estar inteirado dos mínimos detalhes daquilo que faço.
Inquieto com a situação, liguei para o poeta. Disse, cortando suas palavras várias vezes, da necessidade de nós nos encontrarmos para traçar um rumo sobre como chegarmos a Natal; de lá, irmos para o aeroporto e, consequentemente, pegarmos o avião, mas, principalmente, para que eu lhe mostrasse o que iríamos precisar de material para fazermos a sua oficina.
O poeta, na sua simplicidade, acalmou-me. Disse-me: “tenha calma, tudo se resolve, e nada vai dar errado”. E continuou: “confie na sua capacidade de transmitir conhecimentos e me deixe ‘solto’ que a minha parte eu farei”. Entendi, naquele momento, que o dom que Deus lhe deu não era para ser amordaçado em regras e métricas, muito menos, em detalhes que, no momento em que ele estivesse se apresentando, não passariam de meros detalhes de organização. Confiei. Disse-lhe, em poucas palavras, o que pretendia fazer na oficina e como ele, solto, iria ajudar na realização da mesma.
Pois bem... Chegou o dia da viagem. Fui à casa dele, para levá-lo comigo até Natal. O poeta, quando cheguei, já estava pronto. Ao seu lado, na mesa da cozinha, o seu amigo José de Ribamar – poeta, repentista e cordelista da melhor safra – que estava proseando e tomando um café. Dona Nira – esposa do poeta – disse-me que quem vai à casa dela, pela primeira vez, não sai sem tomar um cafezinho feito por ela. Eu que já sou viciado num cafezinho, depois que tomei o dela, fiquei mais viciado ainda.
Enquanto Antonio Francisco calçava os sapatos, vestia a camisa e pegava o seu bornal cheio de livros e cordéis, dona Nira me dizia que ali, naquela mesa, todos os dias, tomam café cerca de umas vinte pessoas. Espantado, eu perguntei se a família é grande assim. Dona Nira olhou para mim e sorriu, mas, antes que ela respondesse, o poeta disse que tem dia que ela sai perguntando àqueles que ela ainda não conhece, de onde eles são.
Bem, disse eu, acredito que no final de semana a coisa melhora, não?
Antonio Francisco respondeu rápido: melhora. Dobra o número. Entendi, então, porque ele é tão popular e tão querido. A sua casa é a casa de todos aqueles que não têm onde tomar um café pela manhã.
Saímos em direção a Natal. Era, ainda, cedo da tarde, mas o clima bem que estava ajudando. No caminho, aproveitei que estávamos só nós dois e combinei, tim-tim por tim-tim, cada detalhe da oficina que ele ia ministrar. O poeta, no entanto, aproveitava o tempo para contar piadas. Era uma atrás da outra. Tantas que, lá por Santa Maria, eu falei para ele: poeta, ou você para de contar piadas ou serei obrigado a parar o carro, pois já não aguento mais de tanto rir... Verdade. Era tanta piada que eu já não conseguia mais parar de rir e, com isso, os olhos estavam constantemente embaçados de lágrimas e uma dorzinha de cabeça já se fazia presente em minhas têmporas.
Ele parou um pouco e falou de coisas sérias. Falou, por exemplo, dessa corrida desenfreada pelo ter, por aparecer, por querer ser mais do que o outro. Mostrou-me, com exemplos simples, como é viver em comunhão com a natureza; confessou-me – depois que eu lhe contei sobre o meu filho, a sua vocação missionária e o seu voto de pobreza – que, na verdade, pobres somos todos nós que vivemos apegados às coisas materiais e lutamos, diariamente e contra o tempo, para adquirirmos coisas supérfluas para as nossas vidas.
Escutei-o. Ele, ao me ver sério, sentiu que a saudade do meu filho batia forte em mim e, rapidamente, contou mais uma piada, desanuviando o meu pensar e me fazendo rir novamente...
Continua...
obs: o poeta encerrando a minha palestra, declamando um dos seus cordeis...