O poeta proibido
1. Mal deixara o seminário, comprei um dos livros de poesia que o claustro me proibira ler. Ouvia falar no poeta Augusto dos Anjos, mas o padre reitor vetava a leitura dos seus versos. E mais do que isso, condenava o vate!
Inconformado, eu me perguntava se somente ele podia ler e se o livro condenado constava do Index Librorum Prohibitorum.
2. O veto, como não podia deixar de ser, aguçava a minha curiosidade. Mas faltava-me coragem para romper com a proibição, que considerava estranha e arbitrária.
Tinha, assim, que me contentar com os versos inocentes de Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e alguns de Castro Alves, "Vozes d'África", por exemplo.
3. Colegas mais ousados, enfrentado a censura imposta pelo seminário, liam, por debaixo dos panos, Augusto dos Anjos.
Alguns sabiam de cor os sonetos do poeta proibido. Esquecidos da proibição, chegavam a declamá-los na hora do recreio ou em bate-papos fechados.
4. Certa feita, um deles provocou a maior confusão quando, lá pras tantas, recitou, alto e bom som, estes versos do Augusto: "Falas de amor, e eu ouço tudo e calo/ O amor na Humanidade é uma mentira." Não faltou quem o chamasse de herege! E segundos alguns censores, ele esquecera de que "Deus é amor".
5. Quase num único fôlego eu li "EU", o polêmico livro de Augusto dos Anjos comemorando, agora, seu centenário. Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos é do nordeste brasileiro. Nasceu no dia 20 de abril de 1884, no engenho Pau d´arco, na valorosa Paraíba. Morreu no dia 12 de novembro de 1914, na cidade mineira de Leopoldina.
6. Disse e repito: a gente homenageia um poeta transcrevendo, divulgando e recitando os seus versos. Faço isso a seguir, e o caro leitor já adivinhou qual o soneto do Augusto dos Anjos passo a transcrever.
"Versos íntimos" - senão o melhor de todos pelo menos o mais conhecido do extraordinário vate paraibano.
"Vês! Ninguém assistiu ao formidável/Enterro de tua última quimera./Somente a ingratidão - esta pantera -/Foi tua companheira inseparável! = Acostuma-te à lama que te espera! /O Homem, que, nesta terra miserável, /Mora, entre feras, sente inevitável/ Necessidade de também ser fera. = Toma um fósforo. Acende teu cigarro!/ O beijo, amigo, é a véspera do escarro,/ A mão que afaga e a mesma que apedreja. = Se a alguém causa inda pena a tua chaga, /Apedreja essa mão vil que te afaga,/ Escarra nessa boca que te beija!"
7. Sobre o centenário da obra (do EU) de Augusto dos Anjos, li há pouco uma maravilhosa crônica do Carlos Heitor Cony.
Dando sequência a um abalizado estudo sobre a poesia augustiana, Cony diz o seguinte: "Na realidade, o culto da forma, o rigor da métrica e o inesperado da rimas poderia colocá-lo ao lado dos monstros sagrados, como Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto Oliveira."
8. Aconselho ler Eu - O monossílabo que fala, uma criteriosa apreciação que faz o Cony em torno da obra de Augusto dos Anjos, sempre naquele seu estilo erudito, direto, preciso e envolvente.