ADALGISA
ADALGIZA
Nossa personagem, setentona, que chamaremos de Adalgisa, tinha por hábito, nas tardes compridas de verão, fazer um passeio ao redor de sua rua. Algumas vezes detinha-se examinando um detalhe na parede, um papel, uma folha de revista, um achado qualquer, o que dava para alguém suspeitar que ela estivesse monologando. Satisfeita a curiosidade, recuperava a postura de andarilha e prosseguia seu périplo. Então aconteceu que num desses dias, uma chuva inesperada, dessas denominadas chuvas de verão - intensas, porém breves - colheu-a na rua e porque ela se encontrasse em frente ao cemitério, achou por bem entrar e abrigar-se sob uma cobertura, pouco adiante da entrada. A chuva persistiu por meia hora, e a noite caiu deixando Adalgisa confusa no lusco-fusco da portaria.
Ante a sua demora em regressar, os parentes se preocuparam, procurando-a ao redor do quarteirão, inutilmente, sem atinar que ela poderia estar “prisioneira” no cemitério.
Adalgisa, voz fraca e tímida, sem muita convicção , chegava ao portão que estava fechado a cadeado, e gritava e pedia. ME TIREM DAQUI... NÃO MORRI NÃO.
Supõe-se que algumas pessoas ouviram seus clamores, porém tendo em vista as circunstâncias locais - chuva, trovoada, voz abafada e trêmula- dava o que pensar... por isso não ligavam ou fugiam ante o aparecimento inusitado e fantasmagórico. Foi então que um cidadão que passava sempre por aquele portão, resolveu verificar de onde partiam e o por quê daquele angustiante clamor.
Ah! É você Adalgiza? O que você faz ai? pagando promessa ou treinando para ser defunto? – Sei não, sei não, ela respondia. Me tira daqui. Eu tô viva. Não tô morta
_Pera aí, ele disse, e ao invés de procurar o porteiro, foi à casa de Adalgisa comunicar o “achado”,aos familiares. A pessoa a quem o cidadão deu a notícia acrescentou que ela se achava no cemitério, mas não disse em que condições. Este saiu gritando para os de casa – Adalgiza está no cemitério. Adalgisa morreu. E repetiu: Adalgisa morreu!
- Morreu, mas como? Alguém, perguntou. Se ela saiu daqui de casa vivinha, não tem uma hora?! – Foi o homem que ta aí fora que me contou... E ... saíram todos, farândola triste, chocada e inconformada.
Ao vê-la, o parente que recebeu a notícia, frustrado porque encontrou Adalgisa vivinha da silva, não se conteve e extravasou.
-Com efeito Adalgisa, pensei encontrar você morta, como é que você me faz uma dessas!
Não se sabe se decepcionado porque Adalgisa estava viva, ou se frustrado porque deu notícia de sua morte, e teve que “pagar o mico”