Diários de Sonhos - #009 – Sonhos em Branco

Nos últimos tempos meus sonhos estão cada vez mais difusos e difíceis de lembrar. Obviamente pela abstinência de remédios. Mas também tenho experimentado uma certa desilusão amorosa para com o momento do sono. Antes ele costumava ser o momento sagrado, a única fuga possível da dor e da alegria. O sono era minha religião, meu pastor e meu motivo de viver. Mas então comecei a dormir menos, ou então a acordar com mais frequência durante a noite. O sono, que até então era um estado de completo repouso, tornou-se um momento de incertezas. Nada mais pode me garantir que terei uma boa noite de sono, ou que terei sonhos nítidos e intensos. Por vários dias tenho acordado sem lembrar de ter sonhado. Nos que lembro, em grande parte são borrões ou fragmentos que não me sugerem nada. Então fica difícil eu querer escrever sobre sonhos assim. Mas ainda assim sinto a necessidade de tentar.

Preto sempre foi minha cor favorita. Preto na roupa, preto no cabelo, preto nos objetos, na alma, no coração e no sono. “I see no colours, all I see Black”. Sempre foi assim. Até hoje. Comecei a ter sonhos constantes com a cor branca. Não sei explicar de onde eles vieram, ou o que são. Às vezes sonho com uma vasta área branca, sem movimento, sem contornos, sem sons nem qualquer sinal de vida. Um grande deserto liso de branco infinito. Noutros sonhei com grandes rios de um líquido branco e viscoso. Quedas d’água que caíam do infinito, jorrando sobre um grande oceano branco (aos freudianos que vieram falar de sexo e esperma, tenho um grande foda-se para vocês). Esses sonhos então passaram a se realizar em minha vida real. Primeiro foi um tênis, depois um caderno. Nos videogames passei a escolher itens e acessórios brancos. Olhei para minha guitarra e pesquisei qual seria o preço para pintá-la de branco. Vejo um carro branco na rua e tenho desejo de possuí-lo. Tudo começou a se tornar branco. Ainda não tenho coragem de usar roupas brancas, mas às vezes sinto o desejo. Now, “I see a red door and I want it White”.

Paralelamente passei a trocar o dia pela noite, uma prática nada saudável a qual dei início durante as férias de julho. Passei a acordar cada vez mais tarde e a dormir cada vez mais tarde. Acordava às 11h e ia dormir às 2h. Depois 13h e dormir às 4h. Hoje estou indo dormir 7h da manhã e acordando às 15h ou 16h. Mas independentemente de meus sonhos, minha religião continua sendo o sono. Meu quarto é ainda meu único e melhor refúgio, tanto das pessoas, dos barulhos e da luz. Antes eu costumava tapar minha janela com um cobertor durante o dia, mas mesmo essa mínima claridade começou a me irritar de uns dias pra cá, e eu coloquei um colchão grosso de modo que barrasse qualquer luz que escapasse ao cobertor. Entre 18h e 6h, meu quarto é um completo breu. Abrir os olhos lá dentro não faz tanta diferença de mantê-los fechados. Não se pode enxergar nada, nem mesmo os contornos da parede ou do teto. Também comecei a usar todas as noites músicas pra relaxar, como cânticos budistas ou gregorianos, música étnica chinesa e japonesa. Somente a escuridão total e esse tipo de música (num volume bem baixinho) tem me trazido um pouco de paz e descanso ultimamente. Sinto falta dos remédios, sinto falta daquela sensação de fraquejar e tontura que me levava a nocaute por várias horas. A época mais feliz de minha vida foi quando eu abusei desses remédios e dormi durante 3 dias seguidos, acordando apenas em pequenos intervalos pra tomar banho e comer. Nestes 3 dias tive os sonhos mais intensos (como o sonho d’”A Mãe”). Mais do que qualquer coisa que eu tive ou nunca tive, sinto falta dos meus remédios. Até o final do ano pretendo instalar um ar-condicionado no meu quarto. Descobri que minha temperatura ideal é entre 15 e 18 graus Celsius. Dentre as coisas que mais me incomodam nesta cidade está o calor. Estamos nos aproximando do verão e eu já tenho receio de sair de casa. Assim que terminar minha faculdade pretendo ir morar com meu tio em Sorocaba, interior de São Paulo. Eu sinto que o centro de São Paulo não foi feito pra mim, que eu não pertenço a essa cidade. Sinto que lá fora existe um lugar pra mim, longe da multidões e do calor. Um lugar que eu possa chamar de “meu” tanto quanto eu chamo o “meu” quarto hoje em dia. Não me importo de ser prefeito ou caixa de supermercado, bandido ou playboy. Só quero fugir dessa cidade. Todos os dias ela me machuca, e também instrui seus habitantes a me machucarem também. Tudo seria mais fácil se eu não fosse um doente, mas eu preciso aprender a conviver com isso, bem longe daqui...

Renan Gonçalves Flores
Enviado por Renan Gonçalves Flores em 07/09/2012
Código do texto: T3870829
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