SOBRE BÊBADOS E CÃES

ENIGMAS DA ARTE

Dei carona para um homem outro dia. O cara era um tipo popular, desses que consomem álcool em boa quantidade e são donos de um falar sempre muito pitoresco. Uns 50 anos, com aspecto de 60, ostentando sabedoria de botequim pé sujo. Claro, puxou assunto comigo, e, não sei exatamente por que motivo, me perguntou se eu era médico. Falou de política, que já se candidatou... A agradável fala (agradável se não for demorada) era de quem supõe deter toda a verdade: “Esses olhos dos candidatos nessas placas de agora... parecem que eles estão nos olhando o tempo todo, nos mirando em qualquer direção que a gente vai, que nem os olhos da Monalisa. Conhece a Monalisa? Mas não é a Monalisa da novela, não, ta? Sabe do que que eu tô falando? É o quadro da Monalisa. Tem uma senhora que eu conheço, lá de Barra do Piraí, que tem esse quadro. O que? Onde? Luvre? O original fica lá? Mas cê acha que aquele é o original mermo?”, dialogamos.

PERDIDO

Esse é o nome do novo morador da minha casa. Sim, isso mesmo, Perdido. É um velho bassê que foi encontrado na rua por uma amiga, e que eu decidi adotar. Acho que ele agora vai ter uma velhice tranqüila. Menos de 24 horas comigo, já tomou banho com xampu anti-sarna, secou-se com o secador de cabelo da minha filha, comeu carne moída com ração de filhote, tomou vitamina com aroma de carne, antibiótico pra tentar reparar o pus que vi na ponta de seu piruzinho... Está cansado o pobre canino. Não faz quase nada além de dormir. Fiquei ontem ao anoitecer um bom tempo sentado na cadeira de praia na varanda olhando para o confortável sono dele e caí na gargalhada. Há um tempo eu não ria tão espontaneamente. Os motivos? Não sei bem. Talvez porque ele é um velho, e um velho é uma coisa engraçada. Talvez pelo nome que o pai da minha amiga lhe deu, “Perdido”, e pelo fato dele ter estado literalmente perdido – não é um cachorro de rua, mas, sim, ao que tudo indica, foi abandonado recentemente. Talvez pelo fato de eu também estar perdido, e um homem perdido é uma coisa engraçada. Talvez por que eu tenha percebido que o cãozinho, tipo, não estivesse nem aí, o que não deixa de ser engraçado. Então eu ri bastante, com minha tradicional taça de vinho tinto no murinho da varanda. Minha pequena varanda, de minha pequena casa. E eu pequeno, como o pequeno cão pretinho de olhos obviamente tristes. Quem tem coragem de abandonar os pequenos?

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