Aparentemente esquisita

Tenho acordado esquisita nesses últimos dias. Tenho ido dormir esquisita também.

Na verdade, aparentemente está tudo normal. Chego em casa, cuido dos meus, sirvo o jantar, cuido dos cachorros, vejo TV, perco a paciência, vou para o banho e cama. Aí, deitada, começo as esquisitices. Não durmo. Por algum motivo fico ancorando de pensamento em pensamento e esqueço que estou cansadíssima e que amanhã ainda é quinta. Ou sexta, ou sábado, enfim. Pouco durmo e acordo esquisita. Como falei, aparentemente, tudo está normal. Perco a hora, levanto correndo e vou de olhos fechados até o banheiro, onde a luz forte me obriga a manter minhas pálpebras abaixadas até a hora de voltar ao meu quarto. Faço tudo no tato, tão grande é minha preguiça. Vestida, carregando bolsa, chaves, celular, me dirijo à cozinha, reclamo. Tudo absolutamente normal, como de costume. Mas não está. Tem alguma coisa esquisita.

Beleza. Talvez seja então o livro que estou lendo. Uma história meio café-com-leite, sabe? Um cara se apaixona por uma mulher casada, que se apaixona por ele também, mas não conseguem ficar juntos e blá blá blá. Livro bom de ler, com essa linguagem modernista, eu até que gosto, de certa forma me comove. É. Tudo bem. Não é o livro também.

Pode ser o álcool. O álcool das cervejas, o cheiro do álcool que tem meu banheiro. Aliás, por que álcool não se escreve álcol? Não gosto desses dois "ós" assim. A única palavra que eu gosto com dois ós é “toodo” que, veja bem, é completamente diferente de “todo”. Toodo é muito mais completo, transbordantemente completo. Mas de que eu estava falando mesmo? Ah, sim. Da esquisitice. Não é por causa do álcool.

De repente seja o Frio.

Há um frio que sobe do estômago e pára na garganta. Uma tempestade, pequenos segredos ilícitos correndo pelas veias a 300 quilômetros por hora.

O Frio do corpo, que por fora é simples. E como em todo mundo, há um nariz, dois olhos, algumas marcas feitas pelo tempo. Um eventual cordão, brincos, batom. Nada demais. Brrrr...

Por dentro não. Há ideias desesperadas, sonhos desencontrados, desejos disfarçados.

Dentro também tem vazios, ecos, e cantos sombrios. Há uma música triste, a memória de uma briga e o medo do escuro que eu não deixo ninguém saber.

Há serpentinas, purpurinas, bailarinas. Que dançam em ondas que acontecem só por dentro. Há números soltos, palavras preferidas, uma imagem que não esqueci. E lá no meio, há uma fechadura louca para ser aberta. Ah! Agora sim.

Ando esquisita por conta da chave - que se perdeu para ninguém mais conseguir encontrar.

Cris Souza Pereira
Enviado por Cris Souza Pereira em 05/09/2012
Reeditado em 05/09/2012
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