Trem Bala
 
 
A experiência é o conhecimento que se obtém pela prática e aquele que experimenta, não mais se esquece, porque incorpora a ação vivida e a transforma em enriquecimento de vida.
A sabedoria é o resultado da prática das experiências.
Quando fui viajar para a Itália, embora não fosse a primeira vez que lá iria, resolvi, baseado na experiência de quem programa viagens, procurar meu agente de turismo, para me ajudar na tarefa.
Minha mulher, toda prática, logo deu a sua opinião:
- Pra que isso, vamos comprar as passagens, e fazer as reservas dos hotéis pela internet,   como agora todo mundo faz... fica muito mais barato, e é seguro, aliás, é o que as agências fazem.
Alegando ter de comprar os seguros saúdes, fui à agência de viagem com minha programação de dias, locais em que queria visitar, e pedi que eles providenciassem tudo, inclusive receptivos nos aeroportos, para nos levar ao hotel, e do hotel para o aeroporto, aluguel de carro para determinado trecho, e passagens de trens, entre as diversas cidades.
Tudo foi planejado, para que o tempo em que lá estivéssemos, fosse usado exclusivamente para turismo.
A parte do que fazer,  e para onde ir, programação de visitas a museus, e locais turísticos, ficou por nosso encargo, inclusive a pesquisa na internet.
Nossa programação seria a seguinte: Rio - Roma, no terceiro dia, ida de trem bala para Nápoles, onde no mesmo dia pegaríamos o barco para Capri,  ficaríamos outros dois dias na ilha, para no terceiro, seguirmos de barco, para Sorrento, quando pegaríamos o carro na locadora, e seguiríamos em seguida, para Positano, com mais ou menos uma hora de viagem, e nos hospedaríamos. Baseados em Positano, visitaríamos de carro, toda a costa Amalfitana. No terceiro dia, seguiríamos, ainda de carro, para visitar Pompéia e o Vesúvio, - de longe -, e voltaríamos em seguida, para Nápoles, onde devolveríamos o carro, e seguiríamos de trem bala para Florença. Em Florença ficaríamos outros dois dias para visitar a cidade, e no terceiro, novamente de trem bala, seguiríamos para Veneza. Em Veneza, ficaríamos outros dois dias, e no terceiro, novamente de trem bala seguiríamos para Milão, onde no terceiro dia, iríamos para o aeroporto, para  então, retornar ao Rio de Janeiro.
Como pode-se notar, ficamos íntimos dos trens bala, e das estações terminais, na Itália. E podemos dizer categoricamente que o sistema aprova, e funciona com perfeição, que as saídas e chegadas são exatamente dentro do horário previsto, se o trem estiver programado para sair às 16,33 h, é nesse horário que sairá, chegando também com pontualidade. O tratamento ao passageiro é VIP, com serviço de bordo, e muito conforto.
Feito esse prelúdio, necessário ao entendimento, eu me volto agora para a  grande reflexão, que essa viagem me permitiu.
Quem algum dia fez viagens de trens pelo Brasil, mesmo na época dos percursos noturnos entre o Rio de Janeiro e São Paulo, ou entre o Rio de Janeiro e Belo Horizonte, não pode comparar as viagens que fazíamos, com as que são realizadas na Europa, especialmente na Itália, onde a malha ferroviária é muito grande, integrando praticamente todo o país. Há de se considerar, que grande parte dos trechos, é assistida com os trens balas, que atingem velocidades de duzentos e cinquenta quilômetros por hora. Os terminais ferroviários são integrados ao metropolitano, e a quantidade de saídas de trens, comuns ou de altas velocidades, é enorme, saindo trens para todas as cidades, diversas vezes por dia. Os indicadores de saídas dos trens funcionam como os dos aeroportos, mostrando a quantidade de trens, saindo e chegando ao terminal, numa quantidade impressionante.
Lembro-me de uma viagem que fiz quando adolescente, em um trem Maria Fumaça do Rio de Janeiro para Recreio, uma cidadezinha do interior de Minas Gerais. Era uma verdadeira aventura, em que a fuligem preta da fumaça, penetrava em nossas roupas e poros.
Aqueles que sempre estavam a viajar,  usavam guarda-pós brancos ou beges, para proteger suas roupas.
Nas cidades pequenas, a chegada diária do trem monopolizava a atenção da população, centenas de  pessoas iam às estações por curiosidade, para ver quem chegava, ou saía. Os engraxates, ofereciam os seus serviços, vendedores de doces, balas, sorvetes e quitutes, cercavam os que iam ou vinham.
Eram os trens que traziam os jornais, com as notícias da capital, numa época em que as comunicações eram  escassas, traziam  e levavam as mercadorias para os mercados locais, e principalmente escoavam a produção de leite, hortigranjeiros e frutas da região. Os trens faziam o papel das veias e artérias nos corpos, levavam vida e energia para as cidades.
No Brasil, tudo carece de planejamento, a visão de longo prazo só agora está engatinhando, e quando começaram a fabricar carros, ônibus e caminhões, alguns administradores de plantão, imaginando que pudesse haver concorrência do transporte ferroviário ao rodoviário - sempre os lobbies -, mandaram que fossem extintos todos os ramais deficitários, no transporte ferroviário, sem se ater que, os transportes ferroviários, e rodoviários, não são concorrentes entre si, mas complementares.
Como a maioria dos ramais eram realmente deficitários, por absoluta falta de planejamento, em que os governos permitiram implantar ramais com bitolas diferenciadas, nas quais as larguras dos trilhos diferiam umas das outras, fazendo com que,  as cargas fossem  obrigadas a sofrer baldeações, até chegar ao destino, com um custo final muito alto, e um prazo de entrega muito longo, e assim, por culpa  e erro dos próprios governos, os ramais foram extintos... Praticamente, no Brasil só subsistiram os trens de minérios.
Agora  com cinquenta anos de atraso, estão estudando a implantação dos trens balas. Que copiem modelos exitosos, com integração de todos os transportes, onde dentro do mesmo terminal possam ter ligações de trens com  metrô e ônibus, e ainda, de  aeroportos e metrôs.
Fica a pergunta: os nossos políticos, que tanto viajam, não observam o óbvio?
 
Em tempo: minha viagem foi ótima e tudo funcionou muito bem, valeu ter procurado a agência de turismo, foi a viagem mais organizada que já fiz, agora entrou um trem bala em minha vida.