Do subsolo

Seria preciso arrancar os olhos para não sentir o coração pulsando quando a vejo, sangrar com precisão os tímpanos, para não estremecer ao ouvi-la, ou, quem sabe, parar definitivamente o respirar... Mas ainda assim, mil harmonias sombrias invadiriam o templo onde reina o silêncio... Mil dores infligir-me-iam, pobre homem que sou, que outrora apenas desejei, antes da intempérie, um simples momento de paz. O tempo, o tão aclamado redentor dos amantes desolados, não deu cabo do fogo da paixão, que rejuvenescedora, tornou-se um pesado fardo. O corpo se afogará nas águas salgadas do oceano, mas o espírito já se afundou há tempos no sangue de feridas abertas que não cicatrizaram... Não há esperanças de forças para um novo amanhecer”.

Assim pensava aquela criatura, que parada por horas estava de frente ao mar, onde o vento gelado do inverno lhe fazia estremecer todos os músculos da face. Consigo apenas pequenos sons das batidas fortes do coração, a sensação de lágrimas quentes escorrendo sob sua face, com sofríveis recordações de antigos tempos em que se sentia repleto de vida. Já há algum tempo andava com a ausência dela, a vida... Os seus olhos não refletiam senão a secura de folhas secas, a amargura da falta e frio do inverno. A vida, até aquele momento limiar, já havia dado numerosas reviravoltas. Tivera sido mil e um homens, ideais. Havia dado voltas pelo planeta, corpos, conhecido gerações, sonhos, realizações. Todavia, por irônico que seja, no mesmo recanto donde outrora se sentia criatura viva, a plenos pulmões, encontrou o subsolo, a dor infinita, o espairecer do brilho dos olhos... Estava, portanto, há um passo de livrar a humanidade daquela mancha negra que havia se tornado, que aos poucos contaminava os seus entes com o seu angustioso desencanto... O mar, enfim, o saudava. O vento entoava a mais bela canção. A mão terra o recebia de braços abertos...

Dosubsolo
Enviado por Dosubsolo em 04/09/2012
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