PEREGRINAÇÃO INVOLUNTÁRIA POR DENTRO DO SER (OU AQUELE QUE RECLAMA OU AS MORADAS INCERTAS DO DESEJO)
Aqui é meu país. Aqui dentro do meu vazio está cheio de gente gritando em silêncio. Ouço os gritos, as acusações. Esperam tanto de mim, do homem bom, que fica impossível atender aos pedidos. E ser bom.
Mil exilados, mil torturados, mil desaparecidos choram dentro de mim, esperando minha compreensão e meu afago. Não posso falhar, rei que sou nessas terras. Aqui em meu país... o reino da perplexidade. Aqui é assim: cobra, insulta, lasca, ferra, fode, ironiza, idiotiza, magoa... acolhe, acaricia, bendiz, graceja com candura.
Um dia cada retângulo de sol na parede será uma porta... aberta. Esperar a hora? Fazer a guerra? Apertar o botão? Proteger as mulheres e as crianças?
Ser taxado de hedonista (naquele sentido menos sensato) é algo que provavelmente eu não mereça. Minha busca por prazer, sobretudo erótico, não é desenfreada – longe disso. E eu quase me puno ao pensar que sou mais libidinoso que o “normal”. Como se desejo e “curiosidade físico-afetiva” fossem crimes. O mundo, as pessoas, precisam ainda desvendar Eros e corrigir infelizes distorções. Descriminalizar o sexo. Calibrar a moral. Deixar que se busque, por conta e risco, encontrar “o lugar certo onde colocar o desejo”, como cantou o poeta. Nesse contexto, falarmos em liberdade para o amor seria algo emergente. É, contudo, muito complexa toda essa regulagem social, eu sei. Somos todos vítimas.
Com fala sarcástica e pronunciando as duas sílabas bem devagar ela me disse: “ – Pra-zer...”, acusando-me. Referia-se ao fato de eu reclamar mais prazer na vida. Então eu me pergunto sobre que alma vivente sobre a terra não busca prazer acima das demais coisas? É que na vastidão da minha cabeça há ainda – se feliz ou infelizmente eu não sei – lugar para o desejo. Sim, desejo: este que mantém os seres num estágio acima do vegetativo. Eu desejo a paz mundial, ainda que algumas guerras ainda sejam necessárias, já que a luta de classes está bem longe do fim, diferentemente do preconizado pelo querido velho Marx. Desejo uma humanidade mais irmã. Desejo uma solução para o estado imoral em que os homens estão mergulhados desde a invenção da moral. Desejo o fim da fome. Desejo que todos tenham boas habitações... Sou um ser que deseja. É claro que meu desejo é sempre o “meu desejo”. É o meu umbigo, no fim das contas. Se quero o bem aos que estão à minha volta é porque isso é deveras bom pra mim. Sendo assim, não deixo de ser a criatura mais egoísta do mundo (do meu mundo pelo menos, ou do meu mundo sensível). Sou feliz, e o sou porque tenho o dom de tirar leite da rocha. Assim como sou o homem mais triste de todo o planeta. O que me obriga ser também o mais forte.
3-9-2012