Aprender uma disciplina sem disciplina. É possível?

Uma Disciplina sem Disciplina

Há dois tipos de disciplina: disciplina que se aprende e disciplina que se força. Dentro das duas, cabe todas as interpretações que associamos a essa palavra tão fundamental e tão confusa ao mesmo tempo.

A maioria dos meus alunos não estuda por conta própria. Não adianta eu chorar, fazer birra e querer desistir da minha carreira; já tentei de tudo: das técnicas neurolinguisticas à rezas espiritualistas; nada parece funcionar. Cheguei a conclusão que era algo cultural até conversar com um amigo educador britânico que diz que ele possui o mesmo problema lá na Inglaterra: alunos adultos se recusam a fazer as suas lições de casa.

De acordo com ele, professor universitário com anos de experiência, a maioria dos adultos se recusam a fazer suas atividades extra-curriculares ou inventam as mais tolas desculpas, porque o professor assume o papel dos pais e se rebelar contra as " ordens" do instrutor, reforça a identidade do adulto e lhe dá o prazer de ter poder ( reencenação da adolescência) . Freud talvez seja indispensável mesmo para a educação. 

Leciono uma segunda língua e devido a complexidade natural desse tipo de disciplina*, sei que os alunos não aprendem na escola a falar o segundo idioma,  pois eles aprendem sim, por conta própria, seguindo as instruções ( se forem realmente necessárias - e são!)  do seu professor. Sei também que devido as milhares de propagandas de cursos relâmpagos prometendo inglês fluente, meu aluno realmente acha que eu ensinarei alguma técnica mágica que o fará acordar falando um segundo idioma, sem esforço algum. É claro que nunca conseguirá, e quando não consegue o que quer, rompe a relação e "fica de mau".  Paixão e desilusão, psicologia e pedagogia são geralmente siamesas.

Conversando com outro educador, um amigo instrutor de Kung Fu; ele me disse que precisamos ensinar o nosso aluno a ter disciplina** de qualquer jeito; ele explica que assim como uma criança, os adultos também precisam que os limites sejam impostos ( no caso do adulto, o limite da preguiça e do desleixo), pois a sua tendência é se rebelar contra qualquer coisa que os remeta a impotência da infância. Quem diria que o Kung Fu pudesse lembrar tanto Melaine Klain. 

Ficam os dilemas: ter disciplina para obter a disciplina é o único caminho?  Impor disciplina à disciplina ou deixar o aluno encontrar seu rumo eventualmente?

Um pouquinho de etimologia ajuda - a palavra disciplina vem do Latim discipulus, “aquele que aprende”, do verbo discere, “aprender”. De discipulus veio disciplina, “instrução, conhecimento, matéria a ser ensinada”. Com o tempo, se agregou gradualmente um novo significado, o de “manutenção da ordem”, que é necessária para fornecer instrução, pois disciplina tem a ver com aprender algo para obter alguma coisa. 

Contudo, se há tanta divergências entre os pensadores e educadores, talvez seja porque exista diferentes tipos de alunos e obviamente, o bom educador sabe que há diferentes tipos de aprendizado. 

O sonho de qualquer professor é que seu aluno possa alcançar o seu objetivo de aprendizado e qualquer educador sabe que reside no aluno, o segredo do tempo que ele vai levar para obter isso ( boa vontade, gostar do que estuda e combate a procrastinação é só os primeiros requisitos). Contudo, impor ao aluno, um regime de ordem para que ele tenha disciplina é algo bem complexo e só funcionará com aquele tipo de aluno que aprende assim. Mesmo que o educador consiga convencer o aluno (que deixa tudo para depois) a ter esse regime, essa " disciplina" se ocorrer, vai durar por pouco tempo ( cedo ou tarde, o aluno vai " transferir" suas frustrações e traumas para o curso). A " disciplina" nesses moldes - mais Kung Fu - só funcionará para esses alunos se houver um consenso mútuo e o educador despertar nesse aluno, uma vontade genuína de buscar nessa " disciplina/ordem" uma chave a mais para a sua disciplina real ( o conhecimento).  Se isso não ocorrer, cabe ao educador, colocar em prática a primeira lição que todo professor deveria saber de cor: não somos a fonte da disciplina que ensinamos, somos uma ponte apenas.