História de uma canção em parceria: Punhal (estilo: cotidiano).
Chico Elpídio me disse que tinha composto um blues de enorme tristeza; uma música dessas de passar a ferro o coração da gente. Disse que estava finalizando uns detalhes de harmonia, melodia, acordes e essas coisas todas pelas quais os músicos são vidrados, e só depois a enviaria. Tá bom, eu falei, vou aguardar.
Nessa época a vida andava mais dura que o habitual: muito serviço, pressão de estourar a cervical, e, pra temperar tudo de tristeza, algumas pessoas me haviam preparado grandes “camas de gato”, umas punhaladas que não haviam me matado, mas doíam pra caramba.
Eu já vou com onze anos de polícia, trinta e três de idade (hoje é dia 30 de março de 2012), muito tempo no oco do mundo, e já deveria estar mais habituado à malícia dos homens, mas toda vez que vejo uma injustiça, o negócio machuca, sabe? É uma tremenda ingenuidade que nunca me abandona – oxalá nunca o faça! Uma espécie de loucura, uma surpresa diante do que já está previsto... sei lá!
Bem, mas, voltando ao lance da canção, eu ia nessa de sofrer quando, numa quinta-feira, recebo um email do Chico com a música: um arquivo MP3 com ele solfejando a melodia e tocando violão pra se acompanhar. Mas eu andava atarantado, com serviço até a cintura, e nem pude escutar nada naquele dia.
No dia seguinte (a sagrada sexta-feira), assim que cheguei ao trabalho, abri o arquivo e escutei um trecho. Parei. Meu coração também parou – o negócio era pesado mesmo, era grandão à vera! Voltei ao serviço, fugindo desavergonhadamente da música. No horário de almoço, abri o arquivo e recomecei a escutar aquela balada triste. Todo aquele sentimento, aquela fundura, tudo o que estava me atormentando subiu até a garganta, quis entrar pela cabeça, escapar pelos olhos. Escrevi as primeiras linhas da letra: “É meu mal, confiar demais e ter amor/um erro tal, por que já pagou Nosso Senhor...” Parei de novo. Rabisquei mais alguma coisa, não lembro exatamente mais quantos versos, mas diante de uma baita vontade de chorar (que pegaria extremamente mal em pleno Departamento de Homicídios), fechei o serviço e voltei ao trabalho.
Assim que cheguei em casa (mulher e filha estavam fora) abracei uma garrafa de bebida, peguei um maço de cigarrilhas e desatei a escrever, entre lágrimas e soluços, coisas como “sem porquê, tua mão tira o que a outra deu/e quer mais, quer levar, quer espalhar a dor!...”. Foi uma dessas ocasiões em que a letra vem já toda, em cascata, e que, pra canção ficar completa, fica só faltando o músico ver se cada palavra é justa e cantável.
Mostrei a Luciana (minha mulher, cantora de ouvido afiadíssimo), que aprovou – ela, aliás, participa de quase todas essas parcerias indiretamente, sabatina geral, passa a limpo (dá carão e tudo!), mas nunca aceita assiná-las; diz que fez pouco: bendita seja a grandeza feminina!
Garrafa vazia, alma lavada, mandei a letra pro Chico – por email também, que ele vive em Maceió e eu em (ou: no) Recife. Fiquei numa tremenda ansiedade pela opinião dele, já que aquilo havia me custado tanta lamentação. Só no domingo o infeliz (que passou o sábado batendo bola e tomando cerveja) verificou a letra, e me respondeu com um torpedo assim garrafal: “VÁ TOMAR NO C...”.
Parceria é mesmo um casamento sem sexo, como disse o sublime Vinícius de Moraes. No caso em questão, mandar tomar naquele canto significa que ele adorou o resultado – só convivendo pra conhecer, né?...
Essa canção acabou virando um samba dolente (mudança que vale outra crônica, pra depois), e está num clipe eu que eu mesmo fiz, e que o Chico gostou muito, pois me mandou, de novo... enfim.
Bem, aí está:
http://www.youtube.com/watch?v=S-CBhOAPRaU&feature=g-upl&context=G27f618aAUAAAAAAACAA
http://pablodecarvalho1.blogspot.com.br/