Seis horas da manhã. Desperto, e como ainda tenho algum tempo, decido ligar a TV para ver as últimas notícias: entre balas perdidas, assaltos, guerras e atentados, enchentes na Africa, trechos de filmes antigos e clipes musicais, passo por um canal religioso, onde um pastor pede a doação de cem mil pessoas - trezentos reais de cada uma - para que ele leve seus comprovantes de recibo, juntamente com as cartas de pedidos de seus fiéis ( após o depósito em uma das contas correntes cujos números aparecem na tela) até o Monte das Oliveiras. Assim, prega o pastor, eles terão seus pedidos atendidos.
O pastor tem absoluta certeza de que, até o final deste mês, terá conseguido arrecadar a quantia desejada. "Quem tem fé, verá," diz ele. E ainda admoesta seus seguidores a não fazerem contas: apenas colocarem o dinheiro em uma das contas correntes, porque quem tem fé verdadeira, não hesita jamais.
Fiquei pensando no número de pessoas necessitadas e desesperadas que tirarão estes trezentos reais do seu já parco orçamento familiar para depositar na conta deste senhor. Ao mesmo tempo, tento lembrar-me de que ele não está obrigando ninguém a fazê-lo; apenas pediu, e pedir não é crime.
Também penso nas milhares de pessoas doentes que estão precisando de doações como estas para que possam salvar suas vidas, e que morrem a espera de socorro. A estas, poucos doam. Também, a culpa é delas, que não prometem nada aos doadores! Não garantem que, se suas vidas forem salvas, os doadores terão seus desejos egoístas atendidos.
Mas também me lembro que entre os doadores, poderá haver milhares destas pessoas doentes, que acham que doando dinheiro à igreja, alcançarão a cura.
A vida é discrepante.
Penso também neste pastor, que à noite, deita a cabeça em seu travesseiro macio - após o sermão na igreja - e sonha com sua viagem ao Monte das Oliveiras.