RECEITA DE COSTELAS DE PORCO AO MOLHO DE RAPADURA (crônica culinária)

Pegue um sábado, um sábado inteiro, livre de preocupações e de ressaca – este ingrediente é importante, mas não é essencial.

Acorde de um sono bom, suba numa moto – pode ser de carro, mas de moto é mais gostoso – e vá às compras, de preferência num mercadão, no meio do povo. Aqui em Recife, gosto de ir ao Mercado de São José.

Compre (pra duas pessoas normais): 1) um quilo de costelas de porco. Pode ser da mais gorda, com pele e tudo (eu prefiro), ou daquelas mais chiques, a vácuo, de um porco criado por vó; 2) uma pedra de rapadura da purinha, sem coco, castanhas nem outra mistura; 3) um “mói” de alecrim fresco; 4) uma cabeça de alho; 5) uma garrafinha de molho shoyo – pode ser da mais vagabunda que tem; 6) um tiquinho de orégano; 7) azeite – do bom é melhor, mas, se não der, pelo menos evite o “óleo composto”; 9) vinagre, e 10) o demais, conforme seus maus costumes: cachaça, cerveja, uísque, cigarros etc.

Fora o item “10”, você não gasta mais que trinta reais, se bater pé direitinho.

Pois bem.

Volte pra casa, sentindo (se de moto) o vento bom refrescar o calor.

Deixe as compras em cima da mesa e tome uma ducha fria: banho quente corta o clima dessa receita!

Volte, buchinho de fora, usando só chinelos e aquela bermuda esculhambada de jogar bola, mas atente: ela deve estar limpa e cheirosa, que roupa velha, quando lavada, é a coisa mais gostosa que há pra vestir.

Ligue o som, volume discreto. Pra começar eu recomendo Bossa Nova, ou um samba de qualidade, mas aveludado: Jorge Aragão, Paulinho da Viola e afins.

Estale os dedos, pegue um copo de bebida, dê um saravá e se prepare pro trabalho.

Se fumar, acenda um cigarro.

Se sua mulher ainda estiver dormindo, antes da bebida e depois do banho, beije-a na testa; se acordada, beijinho na boca. Se você não tiver mulher, esta receita não tem graça; passe-a a quem tenha uma.

Dê um gole. Dê uma tragada. Solfeje a melodia. Comemore: hoje é sábado!

Numa panela, ponha uma xícara de água e a rapadura, e deixe a danada derreter em fogo brando – cuidado que ela às vezes espuma e esborra!

Outro gole. Mais um trago. Assobie a melodia.

Pegue a costela e a prepare, com zelo de sushiman e artes de Ivo Pitanguy pra tirar pelancas. Corte-a em pedaços “marromenos” do tamanho de um pão desses que são vendidos hoje em dia: pequenos prum pão, bons prum naco de carne. Regue-os com vinagre.

Unte uma... como se diz... cumbuca, travessa, fôrma... uma coisa dessas de ir ao forno com azeite, e bote nela os pedaços de costela. Passe mais azeite por cima das costelas.

Pausa: gole, trago, assobio.

Espalhe o orégano sobre os nacos. Salgue a gosto, mas sem exagero – se tiver dúvidas, consulte quem saiba salgar as coisas.

Leve ao forno, em fogo brando.

Gole, trago, assobio, mas olho na rapadura que a bicha gosta de esborrar!

Despetale o alecrim (só meio “mói”) e misture-o à rapadura derretida. Sinta o cheiro bom dele se espalhando pela casa; sinta felicidade.

Corte três dentes de alho, em pedaços circulares e finos, e taque tudo na rapadura, que já estará em estado de melaço. Meta também meia xícara de shoyo. Deixe tudo ferver calmamente, e sinta o perfume do alecrim ganhar a casa inteira: uma delícia, e é já começar a curtir o prato.

Confira as costelas.

Gole, assobio, trago.

Aumente o volume do som, que o álcool já deve estar fazendo efeito.

Carinho na mulher, denguinho nas crianças e vice-versa.

Mexa o melaço de rapadura ao som da música, com colher de pau.

Espere. Beba. Curta o som.

Quando as costelas estiverem douradas, desligue o forno.

Quando o alho estiver bronzeado, desligue a boca de fogo.

Bote uma música mais agitada, que, se você estiver fazendo tudo certinho, o pileque estará batendo na porta – pode ser Zeca Pagodinho ou Diogo Nogueira; mas um Petrúcio Amorim da vida também cai muito bem, cola com o sertão da rapadura.

Arrume a mesa.

O prato é servido regando-se as costelas com o molho de rapadura, acompanhado dessas coisas da gente: arroz, purê de macaxeira, farofa de bolacha de água e sal etc.

Mas aí, amigo velho, tem um detalhe: tudo cozinha muito lentamente, e a essa altura você já estará de pileque e de bucho cheio de beliscar outras coisas, se for brasileiro que se preze – é ou não é?

Sua esposa, doce mas impaciente, provavelmente já almoçou o que ficou de ontem, argumentando, com muito tato: “amorzinho, é só pra tapiar a fome enquanto espero, que se eu fico com fome dá enxaqueca...”

Não desespere.

Isso também faz parte da receita.

Faça o seguinte: guarde tudo na geladeira, ligue pro boteco da esquina, peça um tira-gosto qualquer, e beba, ouça música e namore até, como diz Chico Buarque, “o amor cair doente”.

No dia seguinte, coma as costelas (requentadas) com o molho (apurado em pernoite), e verá que, pra curar uma ressaca, não há prato mais adequado.

“Bon appétit!”