Peixes fora d'água

Dos dezessete vereadores eleitos, sete são do bar: Toninho do bar, Carlão do bar, Renato do bar, Karina do bar, Elias do bar, Geraldo do bar e Zé Preto do bar. Quatro são filhos de pessoas muito conhecidas na cidade, prestativas até não poder mais: João Gordo filho do Tuca do Ferro Velho, Maurício filho da Ção da Casa de Oração (esposa do Euclides do bar), Andréia filha do Juca da Farmácia e Renato filho da Lu do Pronto Atendimento. Quatro são doutores, embora nenhum tenha doutorado: Dr. Leandro, Dr. Osvaldo, Dr. Sebastião e Dr. Safado, este último muito respeitado na cidade por se safar de qualquer embrulhada em que se meta, recorrendo, quase sempre – quando o dinheiro não resolve o problema no ato –, a dois parentes que tem no Poder Judiciário, e, em alguns casos, a amigos ligados ao alto escalão do Governo. Dos quatro doutores, dois são médicos e prestam serviço gratuito à comunidade pobre, segundo eles porque são bons, caridosos e gostam de ajudar o próximo (é certo que com alguns erros de percurso, como trompas ligadas no intestino, amputações desnecessárias, joelhos bichados para o resto da vida e uma e outra morte por imperícia ou abuso de álcool – nada, porém, que não seja facilmente disfarçado como “fatalidade” ou “descuido do paciente” –, coisas que acontecem). Os dois outros doutores são advogados, ambos de famílias tradicionais na cidade, treinados desde a infância na arte milenar de puxar o saco de quem tem poder, sobretudo juizes. Um deles é amigo de um capitão da polícia, por isso especializou-se em liberar veículos irregulares e motoristas sem habilitação em troca de apoio e votos. O outro vem liderando desde o seu mandato anterior uma pequena máfia que frauda licitações da prefeitura: coisa pouca, no máximo um ou dois milhões por ano, para ninguém desconfiar. Os outros dois vereadores são Maçaneta e Corrimão, duas ex-garotas de programa que hoje formam uma famosa dupla sertaneja, disputada a tapas por todos os bares da cidade, redutos privilegiados de eleitores. E veja que maravilha! O novo prédio da câmara já está quase pronto! Uma construção enorme, com vagas na garagem para dezessete vans de uso exclusivo dos vereadores, para levar e buscar eleitores na capital. A presidência da casa quer inaugurar a nova sede com a aprovação de alguns projetos inovadores, que já estão sendo discutidos e aplaudidos por todos. Um deles propõe transformar a obra do Teatro Municipal em um enorme bar popular, com grande variedade de tira-gostos e shows semanais de duplas sertanejas locais. Um outro quer aumentar a carga tributária para negócios que, na visão dos vereadores, não são de utilidade pública, como a única livraria da cidade, o cinema e a escola de desenho e pintura mantida a duras penas por uma artista local. Por outro lado, o projeto propõe reduzir os impostos para empreendimentos que os vereadores consideram muito úteis à população, como a venda de sons possantes para carros, concessionárias de motos, lojas de artigos para churrasco, bares e duplas sertanejas.

Enquanto isso, peixes fora d’água, fracos demais para lutar, morrem ou fogem desesperados.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 02/09/2012
Código do texto: T3861279
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