Pouca chance
Colocou na caneca de louça mais um pouco do forte café que havia feito. Passado no coador de flanela, dá mais trabalho para limpar do que o de papel, tão em moda. Mas o sabor é diferente. E nada como tostar o pó numa panela pequena, antes de preparar. O sabor fica muito melhor.
Ambiente calmo, dentro e fora de casa. Bom para pensar, e o café forte ajudava. Fumou um dos poucos cigarros a que se deu o direito de fazer uso novamente. Nunca mais de quatro ao dia. Quando falou com o médico, ele apenas ponderou: “se é para fumar tão pouco, por que não fumar nada?” É assim mesmo que eles todos procedem. Abstinência completa, um exagero sem explicações.
Médicos fora, continuou olhando o retrato. Havia tirado sem maiores cuidados, mas a fotografia estava perfeita, trabalho de profissional. Ajudado, é claro, pela mulher encantadora que aparecia com os olhos expressivos, quase falando, na sua cor de mel, como os cabelos. Nariz e boca esculpidos. Muito jovem, amiga de sua filha única.
Sabia que era desejada, e não fez nenhum esforço para desfazer o fato. Gostava do homem, que se danasse o resto. Tinha uma estranha atração por homens mais velhos, e os freudianos que não se metam no assunto, gostava e estava acabado. O modo calmo de ele falar, de entender as coisas, de agir em situações delicadas, tudo isto ela havia presenciado. Encantava-se.
Ele correspondia, mas imaginava sempre alguém de uma loja, por exemplo, perguntar o que a filha estava desejando. “Filha é o cacete, ela é minha mulher.” O pensamento incômodo não lhe saía da cabeça, enquanto ela achava graça. Mas não havia jeito. Casado, sem problemas dentro ou fora da união, já sentindo o peso dos anos.
O que o massacrava realmente era o futuro. Na época, ainda poderia ser o homem de tão linda e encantadora jovem. Dez anos depois, a situação seria desastrosa.
Pouca chance...
imagem: "Os jogadores de cartas", Paul Cézanne, óleo sobre tela, Museu D'Orsay
Colocou na caneca de louça mais um pouco do forte café que havia feito. Passado no coador de flanela, dá mais trabalho para limpar do que o de papel, tão em moda. Mas o sabor é diferente. E nada como tostar o pó numa panela pequena, antes de preparar. O sabor fica muito melhor.
Ambiente calmo, dentro e fora de casa. Bom para pensar, e o café forte ajudava. Fumou um dos poucos cigarros a que se deu o direito de fazer uso novamente. Nunca mais de quatro ao dia. Quando falou com o médico, ele apenas ponderou: “se é para fumar tão pouco, por que não fumar nada?” É assim mesmo que eles todos procedem. Abstinência completa, um exagero sem explicações.
Médicos fora, continuou olhando o retrato. Havia tirado sem maiores cuidados, mas a fotografia estava perfeita, trabalho de profissional. Ajudado, é claro, pela mulher encantadora que aparecia com os olhos expressivos, quase falando, na sua cor de mel, como os cabelos. Nariz e boca esculpidos. Muito jovem, amiga de sua filha única.
Sabia que era desejada, e não fez nenhum esforço para desfazer o fato. Gostava do homem, que se danasse o resto. Tinha uma estranha atração por homens mais velhos, e os freudianos que não se metam no assunto, gostava e estava acabado. O modo calmo de ele falar, de entender as coisas, de agir em situações delicadas, tudo isto ela havia presenciado. Encantava-se.
Ele correspondia, mas imaginava sempre alguém de uma loja, por exemplo, perguntar o que a filha estava desejando. “Filha é o cacete, ela é minha mulher.” O pensamento incômodo não lhe saía da cabeça, enquanto ela achava graça. Mas não havia jeito. Casado, sem problemas dentro ou fora da união, já sentindo o peso dos anos.
O que o massacrava realmente era o futuro. Na época, ainda poderia ser o homem de tão linda e encantadora jovem. Dez anos depois, a situação seria desastrosa.
Pouca chance...
imagem: "Os jogadores de cartas", Paul Cézanne, óleo sobre tela, Museu D'Orsay